Calvino Fabuloso, por Gore Vidal (1)

Tradução, notas e comentários de Renato Marques de Oliveira (*)

Entre o final da Segunda Guerra, em 1945, e o início da Guerra da Coréia, em 1950, houve uma explosão de atividade criativa por todo o império norte-americano, bem como nos Estados clientes da Europa Ocidental. De A Era da Ansiedade [Age of Anxiety] de Auden (2) a Reflexos em um Olho Dourado [Reflections in a Golden Eye], de Carson McCullers (3); de O Céu que nos Protege [The Sheltering Sky], de Paul Bowles (4), a Um Bonde Chamado Desejo [A Streetcar Named Desire], de Tennessee Williams (5); dos balés de Tudor (6) aos ardorosos arrebatamentos de Bernstein (7), foi um período empolgante e excitante. Os ventos da Guerra Fria ainda eram uma brisinha gelada, e o então jovem senador de Wisconsin era apenas mais um político genial com uma quedinha por bebida e um olho gordo para rapazes. (8) Naquela época feliz, um jovem escritor norte-americano podia zanzar, triunfante, pelas velhas cidades européias – as taxas de câmbio eram inteiramente favoráveis.

 

Nesta primavera, completam-se vinte e seis anos desde que desembarquei em Roma. Primeiras impressões: forsítia amarelo-ácido no Monte Gianicolo. Glicínia violeta no Fórum. Nacos de carne de cabra no prato da trattoria. Samuel Barber (9) na Academia Americana, falando em italiano impecável. Harold Acton (10) deplorando, com extrema polidez, nossa presença bárbara na Europa dele. Frederic Prokosch (11) no café Doneys, comendo bolos. Ruas sem carros. Se existisse tráfego de qualquer espécie, Tennessee Williams devia estar havia muito tempo morto e enterrado no Cemitério Protestante, porque, apesar de gabar-se de serpraticamente cego de um olho”, o que alardeava com orgulho, dirigia um jipe, furando sinais vermelhos e tratando ruas e calçadas como se fossem uma coisa .

 

Visitei George Santayana (12) em sua cela-quarto de hospital no Convento das Freiras Azuis. (13) Ele estava vestindo um robe, a gola à Lord Byron aberta no pescoço mirrado, e um colete cor-de-malva desbotado. O homem era genial, a ponto de transformar a própria surdez em virtude: “Eu falo. Você escuta”. Um sorriso maroto; olhos pretos brilhantesele parecia exatamente igual à minha avó, tivesse ela, dramaticamente, ficado careca.

 

Você conhece meu jovem e novo amigo, Robert Lowell?” Respondi que não. “A vida dele vai ser difícil. Ser um Lowell. De Boston. Convertido ao Catolicismo”. (14) Os olhos pretos dele brilharam com adorável malícia. “E é poeta, também! Minha nossa! Agora, me diga uma coisa, quem é esse tal de Sr. Edmund Wilson? Ele veio aqui me ver. Acho que ele deve ser muito importante. Na verdade, creio que ele disse ser muito importante”. (15)Você me mandou um livro”, Santayana comentou. Respondi que não tinha mandado livro algum. Ele insistiu: “Mandou, sim”, e ficou bastante irritado. Tentei explicar a ele que não envio livros. Mas depois me lembrei que, na ocasião em que fomos resgatados pelo exército dos Estados Unidos – “e como ficamos alegres de ver você!” – uma olhadela carinhosa para mim – (ainda havia quem usasse uniforme cáqui e o cinturão puído do Exército) –, “um major, um sujeito bastante forte e impetuoso, veio me ver, carregado de livros meus. Ele se pôs de à minha frente e me obrigou a autografar todoseste para fulano, este outro para beltrano. Fiquei apavorado e fiz o que ele me pediu. Talvez um daqueles livros tenha sido para o Sr. Wilson”.

 

Na cela de Santayana os únicos livros existentes eram os seus própriosalém de uma série de volumes da História de Toynbee (16), publicada havia pouco, e que estava lendo à sua maneira característica, ou seja, primeiro quebrava (ou descolava) a lombada do livro e separava as seções; então, à medida que ia acabando de ler os capítulos, ia jogando no cesto de lixo. “Parece uma espécie de pregador, creio”, afirmou a respeito de Toynbee. “Mas as notas de rodapé não são de todo irrelevantes”.

 

Santayana autografou para mim um exemplar de The Middle Span (17); antes de seu nome, escreveu “de”. Quase nunca faço isso”, me disse. Um olhar de apreciação. “Você aparenta ser mais jovem do que é de fato, porque sua cabeça é um tanto quanto pequena em relação ao seu corpo”. Isso foi em 1948, quando os conquistadores norte-americanos viviam em Roma e Paris, flanando pelas ruas ainda vazias de automóveis e dos bilhões de seres humanos que desde então se juntaram a nós.

 

Naquele tempo longínquo, as pessoas se encontravam e conversavam sobre romances e romancistas, do mesmo jeito que agora falam sobre filmes e diretores de cinema. Os jovens de hoje em dia pensam que estou exagerando. Mas, de fato, naquela época os romancistas eram realmente importantes, e o romance italiano, em particular, florescia a olhos vistos, numa espécie de apogeu. Em contrapartida, os escritores norte-americanos em Roma e Paris não recebiam o mesmo entusiasmo. Em primeiro lugar, porque os italianos estavam apenas engatinhando na leitura de Dos Passos (18) e Steinbeck (19) – a geração que permanecera sem tradução durante a era fascista. No mais, naquele tempo (e hoje também) poucos autores italianos falavam ou liam em inglês com facilidade, enquanto que por sua vez os escritores norte-americanos (ainda que atualmente isso não ocorra com tanta freqüência) orgulhosamente se limitavam a falar somente inglês.

 

Lembro-me do dia em que, em 1948, caiu-me às mãos um livro de Italo Calvino. “Um Calvino italiano, repeti para mim mesmo, fixando para sempre na memória aquele nome. À-toa, fiquei imaginando e me perguntando que tipo de livro e sobre que assunto um homem chamado Calvino poderia escrever. Passei os olhos pelo primeiro romance dele, A trilha dos ninhos de aranha. (20) Alguma coisa a ver com os partigiani na Ligúria. Um colega romancista de guerra. “Não”, pensei, e deixei para , pondo o livro de lado. Apenas notei que o autor era dois anos mais velho que eu, trabalhava na Editora Einaudi e vivia em Turim.

 

Ano passado li Calvino de cabo a rabo, começando pelo mesmo livro que, em 1978, merecera de mim apenas uma rápida folheada. Traduzido para o inglês como The Path to the Nest of Spiders (21), o primeiro romance de Calvino é exuberante, e traz uma história contada de modo franco e direto. Ainda que a escrita seja convencional, há uma estranha intensidade na maneira com que Calvino as coisas, uma precisão de escrutínio e uma minúcia de exame muito próximas ao estilo de William Golding. Assim como Golding, Calvino sabe como e quando preencher inteiramente, fazendo uso pleno de todos os sentidos, paisagem, estado de espírito, ato. No romance The Spire, o retrato que Golding pinta da malfadada igreja é tão real que o leitor sente o cheiro da argamassa, as nuvens de poeira, teme pelas pedras fora do lugar. (22) Calvino faz o mesmo ao narrar a história de Pin, menino que vive no litoral da Ligúria, perto de San Remo (embora tenha crescido em San Remo, Calvino nasceu em Cuba, detalhe biográfico a que absolutamente nenhuma editora norte-americana de seus livros faz menção, sem dúvida em deferência à nossa recente e malograda tentativa de conquistar aquela desafortunada ilha).

 

Pin mora com a irmã, que é prostituta. Passa os dias numa taberna de má-fama, onde diverte com canções, insulta e provoca os adultos, raça de monstros no que lhe diz respeito e até onde ele saiba, mas é que não tem outra companhia, poisé um menino que não sabe brincar, e que não consegue tomar parte das brincadeiras nem dos garotos nem dos adultos”. Pin sonha, contudo, em encontrarum amigo, um verdadeiro amigo, que o compreenda e que ele posso compreender, e então, para ele, Pin mostrará o lugar das tocas das aranhas”:

É um atalho pedregoso que desce para a torrente entre duas paredes de terra e grama. Ali, em meio à grama, as aranhas fazem suas tocas, uns túneis forrados de cimento de grama seca; mas o mais maravilhoso é que as tocas têm uma portinha, também feita daquela massa seca de grama, uma portinha redonda que pode ser aberta e fechada.

É este tipo de observação precisa, quase científica, que distancia Calvino da qualidade sentimentalista que prevalecia na década de 1940, período em que mães negras ensinavam a seus sábios filhos lições de compaixão, ao mesmo tempo em que fritavam miúdos de porco e Jesus em partes iguais ao sul da linha Mason-Dixon. (23)

 

Pin junta-se aos guerrilheiros nas colinas acima da costa da Ligúria. Desconfio que Calvino esteja sonhando isso tudo, porque escreve feito um rato de biblioteca livresco e míope usando as lentes erradas: objetos absolutamente próximos são descritos de maneira vívida, mas as distâncias intermediárias e mais afastadas da guerra e da paisagem tendem ao borrão indistinto. O que, entretanto, não faz a menor diferença, pois os sonhos de um jovem míope dando os primeiros passos na carreira literária podem muito bem ser mais reais ao leitor do que as robustas e tumultuosas reportagens de alguns jornalistas-romancistas que, a despeito de sua presença efetiva e ostensiva , vendo tudo, nada viram.

 

Embora Calvino consiga fazer-se evidente na pele da criança ultrajada e ultrajante, insultada e insultuosa, ofendida e ofensiva, provocada e provocadora, os homens e mulheres que cria são quase sempre sombrios. Mais tarde, ao longo da carreira Calvino acabará eliminando tanto homens quanto mulheres, à medida que vai recriando o cosmos. Enquanto isso, de início é um escritor ardente, intenso, expressivo, se não é aqui e ali algo canhestro. Ao longo de dois terços da narrativa ele desloca o ponto de vista de Pin para um par de comissários, personagens que teriam sido mais eficazes tivesse o autor observado ambos pelo lado de fora. Depois, confusamente, mais uma breve mudança de foco narrativo, agora para a mente de um traidor prestes a ser fuzilado. Por fim, a voz narrativa retoma o ponto de vista de Pin, bem na hora em que o garoto encontra o tão aguardado amigo, um jovem guerrilheiro chamado Primo, que o leva pela mão não apenas literalmente, mas, ao que se presume, pelo resto do tempo de que Pin ainda precisa para virar adulto. Os últimos parágrafos de Calvino são sempre exultantesaquele tipo de coda alegre e agradável que somente um profundo pessimista acerca das coisas humanas poderia escrever. Mas então, assim como um dos companheiros de Pin, Lobo Vermelho, Calvino “pertence àquela geração que se formou olhando os álbuns coloridos de aventuras; que ele levou tudo a sério, e a vida até agora não o desmentiu”.

 

Em 1952 Calvino publicou O visconde partido ao meio (24), um dos três romances curtos depois reunidos sob o título Os Nossos Antepassados. (25) São obras engajadas, escritas num estilo levemente semelhante ao ciclo dos romances arturianos de T. H. White. (26) O narrador de O Visconde Partido ao Meio é, mais uma vez, um menino órfão. Durante uma Guerra entre a Áustria e a Turquia (1716), o tio do garoto, o Visconde Medardo di Terralba, leva uma bala de canhão no peito e tem o corpo rachado ao meio, de cima abaixo, em sentido longitudinal. Salvo pelos médicos ainda no campo de batalha, o mutilado Visconde é mandado de volta para casa, com uma perna, um braço, uma bochecha, um olho, meio nariz, meia boca etc. No caminho, Calvino presta (irônica?) homenagem a Malaparte: “A faixa de planície que atravessavam achava-se de fato cheia de carcaças eqüinas, algumas para cima, com os cascos voltados para o céu, outras de bruços, com o focinho enfiado na terra”.bela reprise dos cavalos mortos A Pele. (27)

 

A história é contada de modo alegre, divertido, esperto, bem-humorado. O meio Visconde é um completo mau-caráter, um vilão cruel que obtém enorme prazer matando, incendiando, torturando. Chega a atear fogo ao próprio castelo, na esperança de reduzir a cinzas sua velha ama Sebastiana – por fim, manda a criada para uma colônia de leprosos. Tenta envenenar o sobrinho. E nunca cessa de talhar em duas partes, a golpes de espada, todas as criaturas que encontra. Tem obsessão pela idéia da metade, da divisão, da incompletude:

Que se pudesse partir ao meio toda coisa inteira – disse meu tio, de bruços no rochedo, acariciando aquelas metades convulsivas de polvo –, que todos pudessem sair de sua obtusa e ignorante inteireza. Estava inteiro e para mim as coisas eram naturais e confusas, estúpidas como o ar: acreditava ver tudo e havia a casca. Se você virar a metade de você mesmo, e lhe desejo isso, jovem, há de entender coisas além da inteligência comum dos cérebros inteiros. Terá perdido a metade de você e do mundo, mas a metade que resta será mil vezes mais profunda e preciosa.

Noto que a sinopse da contracapa quer fazer crer que se trata de “uma alegoria do homem modernoalienado e mutilado; este romance tem profundas implicações e nuances. Como paródia das parábolas cristãs a respeito do Bem e do Mal, a obra é a um tempo espirituosa, atual e agradável”. Bem, pelo menos o livro é mesmo espirituoso, atual e agradável. A bem da verdade, a história é menos cristã do que uma sátira das idéias de Platão como um todo.

 

No devido tempo, eis que ressurge na cidade a outra metade do Visconde, esta insuportavelmente bondosa e profundamente chata. A metade boa também renega a inteireza e faz o elogio da não-inteireza, porqueisso é o bom de ser partido ao meio: entender de cada pessoa e coisa no mundo a tristeza que cada um e cada uma sente pela própria incompletitude. Eu era inteiro e não entendia”. Uma bela e encantadora pastora de cabras chamada Pamela (homenagem a Richardson) (28) torna-se o objeto do amor das duas metades laceradas do Visconde, mas tem sérias reservas em relação a ambas. “Fazer boas ações juntos é a única maneira de nos amarmos”, entoa a metade bondosa. Ao que a irritadiça moça responde,Pena. Pensei que houvesse outras maneiras”. Quando, por fim, as duas metades são novamente unidas, o Visconde volta a ser um homem inteiro, mas o resultado é a costumeira mistura humana, não muito interessante. Num final feliz, ele se casa com Pamela. Mas o menino-narrador não fica contente. “Em meio a tantos fervores de integridade, eu me sentia cada vez mais triste e carente. Às vezes a gente se imagina incompleto e é apenas jovem”.

 

O visconde partido ao meio é recheado de imagens naturais derivadas de observação cerrada e minuciosa, comoO subsolo estava tão abarrotado de formigas que era enfiar a mão em qualquer lugar e sair com ela toda preta e fervilhando”. Não sei o que foi escrito primeiro, O visconde, que é de 1952, ou “A formiga-argentina”, conto incluído em Botteghe Oscure, revista de literatura publicada no mesmo ano (29), mas o fato é que o pesadelo calviniano de um mundo infestado por formigas, tema mencionado apenas de passagem no romance do visconde dilacerado, vem a ser o mote principal do conto, e desconfio que agora devo repisar naquela palavra quase sempre tão castigada e mal empregada: “obra-prima”. Ou, usando outros termos, se “A formiga-argentinanão é uma obra-prima da prosa do século XX, não sei o que é, pois não consigo pensar em nada melhor. Certamente é tão ameaçador e estranho como qualquer coisa escrita por Kafka. E é também terrivelmente engraçado. Em cerca de quarenta páginas, Calvino nos apresenta “a condição humana”, segundo anotariam, exagerando, todos os escrevinhadores de sinopses, resumos, orelhas e resenhas. Ou seja, a condição humana atual. Ou o dilema do homem moderno. Ou o meio ambiente corrompido. Ou a vingança da natureza. Ou uma alegoria da graça divina. Sei , qualquer coisa... Mas, no fim das contas, a história é o que é, nada mais.

 

A primeira frase de Calvino é bem melhor até do que a primeira sentença de Deus, “No princípio, era o Verbo”. Deus (conforme foi revelado a São João) sempre teve propensão para abstrações nebulosas e confusas, do mesmo tipo dos devaneios estimados e praticados pelos novelistas norte-americanos da categoria peso-pesado – ao contrário de Calvino, que, preciso, leve, simplesmente nos conta o que acontece: “Nós não sabíamos dessa coisa das formigas quando viemos nos estabelecer aqui”. Nada há de absurdo emaqui” e “nós”. Aqui é um lugar infestado de formigas, e nós é a família nuclear: pai, mãe, filho. Sem nomes.

 

A família aluga uma casa numa cidadezinha “onde nosso tio Augusto costumava se sentir bem. O tio até que gostava bastante do lugar, embora tivesse dito, ‘, vocês tinham que ver, as formigas... não como aqui, as formigas...’ Mas na época não prestamos muita atenção”. Enquanto mostra a casa para o jovem casal que acabou de alugar a propriedade, a senhora Mauro, a senhoria local, distrai a atenção dos incautos com uma longa dissertação sobre o relógio do gás, evitando que prestem muita atenção às paredes. Quando a mulher vai embora, marido e mulher põem o filhinho para dormir e saem para dar um passeio pelo terreno da casa. Encontram o vizinho espargindo as plantas do jardim com um vaporizador. “É... as formigas... essas formigas...”, ele explica, e ri, “como se não quisesse dar importância”.

 

O jovem casal volta para casa e encontra tudo assolado por filas cerradas de formigas. As formigas-argentinas. De súbito, ocorre ao marido-narrador que tinha ouvido falar naquelas formigas e naquele país. “Fica na América do Sul”, informa, professoral, querendo ser útil e benévolo para a furiosa esposa. Por fim, vão dormir pela primeira vez na casa nova, sema sensação de alívio por iniciar uma nova vida, mas apenas com o sentimento de que éramos arrastados rumo a um futuro repleto de novas dificuldades”.

 

O resto da história narra os recursos e estratégias utilizados pelos vários moradores do vale para enfrentar as formigas. Alguns apelam para venenos e inseticidas; outros criam geringonças e dispositivos fantásticos para tentar confundir ou matar os insetos; sabe-se que, havia vinte anos, ostensivamente um representante da Corporação de Controle da Formiga-Argentina espalhava melado pela cidade de modo a controlar (matar) as formigas, o que muitos acreditavam que era feito apenas para alimentar e fortalecer os insetos. O furioso casal faz uma visita a senhora Mauro e exige explicações. Na sala sombria de seu casarão palaciano, a senhoria se mantém firme: não existem formigas em casas que são bem limpas e cuidadas; mas, pela maneira com que ela se contorce na poltrona, fica claro que os insetos estão formigando, picando e passeando por debaixo de suas roupas.

Metodicamente, Calvino descreve as várias reações humanas diante da Condição. Há o Cientista Cristão, que ignora toda e qualquer evidência; há a aceitação maniqueísta do Mal; há a inabalável crença darwiniana de que a superioridade genética vai prevalecer. Mas as formigas revelam-se figuras inquietantes e indestrutíveis, e a história termina com a fuga da família para o litoral, onde nãoformigas, e onde 

A água estava calma, quase com uma leve e contínua troca de cores, preto e azul, cada vez mais escuros conforme aumentava a distância. Eu pensava nas vastidões de água como aquela, nos infinitos grãozinhos de areia fina no fundo do mar, onde as correntes depositam cascas brancas de conchas polidas pelas ondas. 

Não sei ao certo o que significa este final. E também não vejo razão para que tenha que significar alguma coisa. É estabelecido um contraste entre o vale fervilhante de formigas e a fresca serenidade dos minerais e conchas escondidos sob as águas, aquele outro ar que não respiramos mais desde que nossos antepassados escolheram viver na superfície da terra.

 

Em 1956 Calvino editou um volume de Fábulas Italianas (30), e os críticos locais decidiriam que ele era um verdadeiro herdeiro dos Grimm. É certo que o mundo encantando e fatal dos contos de fadas atrai Calvino, que volta ao gênero com O barão nas árvores (31). Assim como nas duas outras partes da trilogia, a história é narrada na primeira pessoa, no caso pelo irmão do barão epônimo. O ano é 1767. O lugar, a Ligúria. O barão do título é Cosimo [Cosme] Piovasco di Rondó, que, depois de uma discussão à mesa do jantar, no dia 15 de Junho, decide ir viver nas árvores. A família e os amigos reagem de maneira diversa à atitude do jovem barão. Mas Cosme está feliz. Mais tarde entra na política, trava relações como o próprio Napoleão em pessoa; torna-se uma lenda.

 

A essa altura Calvino desenvolveu dois modos de escrita. Um é literariamente fabuloso-fabular-fabulista. O outro tem por base um estilo seco, didático até, em que o detalhe é observado de maneira absolutamente precisa, como se o autor estivesse escrevendo um manual para a construção de painéis solares. Contudo, as premissas das históriassecassão quase sempre tão fantásticas quanto às das fábulas.

 

O conto “A nuvem de smog” foi publicado em 1958 (32), muito tempo antes da hoje tão em voga preocupação com a destruição sistemática do meio ambiente. O narrador chega a uma cidade grande para assumir o cargo de redator de um jornal de pequena circulação chamado A Purificação. O dono do periódico, o Comendador Cordà, é engenheiro e um importante industrial, responsável pela produção do tipo de poluição do ar que sua própria publicação gostaria de ver eliminada. A posição de Cordà é ambígua, e o novo editor acaba se encaixando muito bem na função. Predomina no conto a imagem do smog: um finíssimo véu de poeira cinzenta cobre tudo; nada jamais pára limpo. A cidade se parece muito com o vale em que vivem as formigas-argentinas, mas numa escala maior, porque agora toda a vasta população da cidade vai lentamente sendo sufocada pela neblina fumacenta e carregada de produtos químicos da indústria e de seus motores a explosão.

 

O humor de Calvino é fino e ferino no episódio em que o dono do jornalinstruções ao redator sobre como encontrar o tom mais adequado para o artigo de fundo: “Nós não somos utópicos, que isso fique bem claro, somos pessoas práticas...”, ouÉ uma batalha por motivos ideais, ou Não haverá (nem, aliás, com efeito nunca houve) contradição entre uma economia em livre expansão natural e a higiene necessária ao organismo humanoentre a fumaça de nossas operosas chaminés e o azul e o verde de nossas incomparáveis belezas naturais”. Por fim, os dois chegam a um entendimento sobre o teor ambivalente do editorial: “Somos uma das cidades onde a situação atmosférica é mais grave, mas ao mesmo tempo onde mais se faz para estar à altura da situação! As duas coisas, entende?”. Com uns bons quinze anos de antecedência, Calvino pressagiou os anúncios de duplo sentido da Exxon na televisão norte-americana.

 

Esta é a primeira vez em que numa história de Calvino há um caso amoroso realista entre homem e mulherbem, mais ou menos realista. Nunca chegamos a saber como a belíssima, rica e elegante Claudia conhecera o narrador ou que ela via nele; ainda assim, periodicamente ela investe sobre ele, deixando-o confuso (“para abraçá-la, eu tinha tirado meus óculos”). Um dia os dois tomam um táxi e vão passear fora da cidade. O narrador faz comentários a respeito da feiúra da cidade e da presença ubíqua das névoas e brumas do smog. Mais tarde, Claudia dirá queos homens perderam o senso da beleza”, ao que o jornalista responde, “A beleza é inventada continuamente”. Os dois começam uma discussão cerrada; ele conclui que tudo é cruel. O narrador trava amizade com um proletário sindicalizado, contrário a Cordà. O narrador admira o operário Omar, admira “os obstinados, os duros”. Mas Calvino não chega nunca a se engajar de verdade, no sentido sartreano. Porque suspeita que a cilada em que todos estamos metidos é complicada demais para ser resolvida pelo mero debate político.

 

O narrador começa a escrever sobre radiação atômica na atmosfera; sobre como o clima está mudando mundo afora. Será que existe relação entre uma coisa e outra? Por um momento, até mesmo Cordà fica alarmado. Mas a vida continua, pois o próprio industrial é “o dono do smog, era ele que o soprava ininterruptamente sobre a cidade”, e seu periódico era uma criaturanascida da necessidade de dar a quem trabalhava pelo smog a esperança de uma vida que não fosse do smog, mas ao mesmo tempo para celebrar a potência do smog”.

 

O final da história se assemelha ao final de “A formiga-argentina”. O narrador vai até os arrabaldes da cidade, seguindo as carroças dos lavadeiros. Em meio aos campos branquejantes de roupa estendida, a visão é alegre e animadora. “Não era muito, mas para mim, que não procurava nada mais do que ter imagens sob os olhos, talvez bastasse”.

 

No ano seguinte, 1959, Calvino troca de estilo. O cavaleiro inexistente (33) é a última parte da trilogia Os Nossos Antepassados, embora cronologicamente venha em primeiro – na era carolíngia. Mais uma vez há uma guerra em curso. O leitor vem a conhecer o narrador pela página 36: irmã Teodora, religiosa da ordem de são Columbano, incumbida de escrever a história como penitência, “pela saúde da alma”, como um modo de ganhar a salvação eterna. Desafortunadamente, a tramamuito trabalho para a freira; nem tudo na história está claro para ela, porqueNós, freiras, temos poucas ocasiões de conversar com soldados (...) Vocês vão me desculpar: somos moças do interior, ainda que nobres, tendo vivido sempre em retiro, em castelos perdidos e depois em conventos; excetuando-se as funções religiosas, tríduos, novenas, trabalhos de lavoura, debulha de cereais, vindimas, açoitamento de servos, incestos, incêndios, enforcamentos, invasões de exércitos, saque, estupros, pestilências, não vimos nada. O que pode saber do mundo uma pobre freira?”.

 

A irmã Teodora faz o melhor que pode para narrar a história de Agilulfo [Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Altri de Corbentraz e Sura, cavaleiro de Selimpia Citeriore e Fez], cavaleiro que não existe. O que existe é uma armadura toda branca, “bem conservada, sem um risco, bem-acabada em todas as juntas, encimada no elmo por um penacho”, de onde emerge a voz metálica de Agilulfo, cavaleiro totalmente devotado à santa causa e ao serviço do imperador Carlos Magno. Passando em revista os paladinos, Magno chega à frente do cavaleiro-que-não-há; diante da explicação de Agilulfo, e diante da constatação de queem sua tropa até mesmo um cavaleiro que não existe, graciosamente o sire se permite concluir, “Bom, para alguém que não existe está em excelente forma!”. Uma vez que não existe, Agilulfo não tem fraquezas nem apetites; é o cavaleiro perfeito, um modelo de soldado, e antipático a todos. Para Agilulfo, “o corpo das pessoas que tinham um corpo de verdade dava-lhe um mal-estar semelhante à inveja, mas também uma sensação que era de orgulho, de desdenhosa superioridade”. Para vingar a morte do pai, um jovem chamado Rambaldo (uma versão mais velha de Pin e do sobrinho do visconde partido ao meio) junta-se ao exército de Carlos Magno. Agilulfo dá ao novato conselhos insípidos. Sucedem-se batalhas. A narradora faz observações genéricas: “E o que é a guerra além desse passar de mão em mão coisas cada vez mais amassadas?”. As tropas deparam com um homem chamado Gurdulu, que se confunde com as coisas do mundo exterior. Quando toma sopa, torna-se a sopa, pensa que ele próprio é a sopa a ser tomada: “Tudo é sopa!, e numa das mãos brandia a colher como se quisesse puxar para si colheradas de tudo aquilo que havia ao redor: ‘Tudo é sopa!’. Aquela visão provocou em Rambaldo uma perturbação capaz de fazer-lhe rodar a cabeça: mas era mais uma dúvida que um arrepioque aquele homem que girava ali na  frente sem enxergar tivesse razão e o mundo não fosse nada mais que uma imensa sopa sem forma em que tudo se desfazia e tingia com sua substância todo o existente”.

 

Aqui Calvino anuncia temas que serão mais bem desenvolvidos em obras posteriores: a confusão entreeu” e “coisa” e entreeu” e “você”; a arbitrariedade do nome e da nomeação das coisas (34), da categorização e da exclusão, particularmente porqueAinda era confuso o estado das coisas do mundo, no tempo remoto em que esta história se passa. Não era raro defrontar-se com nomes, pensamentos, formas e instituições a que não correspondia nada de existente. E, por outro lado, o mundo pululava de objetos e faculdades e pessoas que não possuíam nome nem distinção do restante. Era uma época em que a vontade e a obstinação de existir, de deixar marcas, de provocar atrito com tudo aquilo que existe, não era inteiramente usada, dado que muitos não faziam nada com issopor miséria ou ignorância ou porque tudo dava certo para eles do mesmo jeito – e assim uma certa quantidade andava perdida no vazio”.

 

Há na trama um triângulo amoroso. Rambaldo cai de amores por um colega cavaleiro que se revela uma formosa jovem, chamada Bradamante. Infelizmente, ela está apaixonada por Agilulfo, o cavaleiro que não existe. A essa altura a história fica complicada demais para a irmã Teodora (35), que lança ao papel a mais triste das notas que um escritor profissional poderia escrever: “Começa-se a escrever com gana. Porémum momento em que a pena não risca nada além de tinta poeirenta, e não escorre nem uma gota de vida, e a vida está toda fora, além da janela, fora de você, e lhe parece que nunca mais poderá refugiar-se na página que escreve, abrir um outro mundo, dar um salto”.

 

Por fim, a narradora consegue levar a cabo a dura tarefa de terminar a história, e apara as arestas, e fecha as lacunas. Chegam ao fim as viagens aventurosas dos cavaleiros. Agilulfo entrega sua armadura, “dissolve-se como uma gota no mar”, e deixa de fato de existir; Rambaldo é autorizado a ocupar a vestidura. Bradamante desapareceu, mas, com um elegante coup de theatre, a irmã Teodora revela, aos leitores e ao próprio livro, que a narradora da história e a guerreira Bradamante são a mesma pessoa. Agora ela precipita a narração de modo a terminar logo e tomar nos braços a armadura branca, que, ela sabe, passou a conter o jovem e apaixonado Rambaldo, seu verdadeiro amado, por quem queima de desejo: “Por isso, a certa altura, minha pena se pôs a correr. Corria ao encontro dele. Sabia que não tardaria a chegar. A página tem o seu bem quando é virada e há a vida por trás que impulsiona e desordena todas as folhas do livro. A pena corre empurrada pelo mesmo prazer que nos faz correr pelas estradas”.

 

Completada a trilogia, Calvino dá uma virada e publica O dia de um escrutinador (36), a mais realista de suas histórias, e a mais ostensiva e abertamente política. O protagonista tem nome, Amerigo Ormea, cidadão responsável, eleitor consciente, participante do poder democrático, filiado ao Partido Comunista e escrutinador em Turim, durante as eleições nacionais de 1953. A seção eleitoral de Amerigo ficava dentro de um grande instituto religioso e hospitalar, o Cottolengo, também denominado Pequena Casa da Divina Providência, enorme hospício que dava asilo aos incuráveis, “infelizes, aos prejudicados, aos deficientes, aos deformados”.  Desde que ao final da Segunda Guerra o voto se tornara obrigatório, aparentemente todos eram levados a votar: loucos, velhos moribundos, idiotas, pacientes em coma ou até mesmo os paralisados pela arteriosclerose, “gente privada da capacidade de entendimento” (“hospitais, hospícios e conventos serviam de grande reserva de sufrágios para o Partido Democrata Cristão”). Amerigo é um sereno observador das confusões e enganos da democracia, tendo afinal aprendido quena política, as mudanças se dão por caminhos longos e complicados”; o narrador também confessa que para Amerigo, “como para tantos outros, ganhar experiência havia significado tornar-se um pouco pessimista”.

 

Ao decorrer do dia, naquele ambiente de desolação, Amerigo observa, com fina impassibilidade, sem curiosidade nem espanto, os bandos de padres e as “revoadas de freirinhas, às centenas”, cumprindo com sobressalto sua obrigação cívica, avançando sobre os biombos de madeira bruta e aplainada que funcionavam como cabines de votação montadas dentro do hospital-asilo. A despeito do grotesco e do burlesco de algumas situações, Amerigo está contente e sente algum prazer na trivialidade da votação, aquela “desolação rica, rica de sinais”. A ele por vezes aquilo parecia sublime, poisna Itália, desde sempre obsequiosa com tudo o que é pompa, fausto, exterioridade, ornamento, [aquilo] parecia-lhe finalmente a lição de uma moral honesta e austera; e uma perpétua e silenciosa desforra contra os fascistas, contra os que haviam acreditado poder desprezar a democracia justamente por causa desta sua desolação exterior, por causa de sua humilde contabilidade, e haviam sido aniquilados com todas as suas franjas e seus laços, ao passo que ela, com seu descarnado cerimonial de pedaços de papel dobrados como telegramas, de lápis confiados a dedos calosos ou trêmulos, continuava o seu caminho”.

 

Contudo, o dia é longo, e por fim o tédio das operações sonolentas e burocráticas dá as caras e se abate sobre o escrutinador, que começa a pensar que, em vez de estar ali, poderia ter passado o domingo nos braços de Lia: “Conformado a passar o dia todo entre aquelas criaturas opacas, Amerigo sentia uma necessidade tocante de beleza, que se concentrava em pensar em sua amiga Lia”. Em devaneio, pensa em Lia, que teima em surgir em sua lembrança: “O que é esta nossa necessidade de beleza?, perguntava-se Amerigo”. Pelo visto, Calvino não avançou muito além daquele ultimo diálogo de “A nuvem de smog”. O escrutinador contempla a perfeição da Grécia clássica, mas lembra-se de que os gregos eliminavam mulheresem excesso” e as crianças deformadas. Obviamente, colocar a beleza demasiado no alto da escala de valoresé um primeiro passo rumo a uma civilização desumana, que condenará os deformados a serem lançados do penhasco”.

 

Quando um dos outros escrutinadores [“o escrutinador magrela”] comenta que todos os loucos vivem juntos no Cottolengo, se vêem todos os dias, e que por isso hão de se conhecer, Amerigo descamba para o devaneio: “De uma possibilidade diferente de ser da humanidade nos lembraríamos, como nos contos de fadas, de um mundo de gigantes, de um Olimpo... Como nos acontece a nós, que talvez sejamos, sem o percebermos, deformes, deficientes, em relação a uma possibilidade diferente de ser, esquecida...”). O que é humano, o que é real?

 

Via de regra, a visão de Calvino é apresentada em termos fantásticos, mas aqui ele torna-se inusualmente e surpreendentemente concreto. Uma vez que elegeu iluminar uma época e um lugar reais (a Itália entre 1945 e a eleição de 1953), o autor tem condições de falar tudo, nos mínimos detalhes: “Na Itália daqueles anos o Partido Comunista assumira, entre as tantas outras tarefas, também a de um ideal, jamais existido, Partido Liberal. E assim o peito de um único comunista podia abrigar duas pessoas ao mesmo tempo: um revolucionário intransigente e um liberal olímpico”. O pessimismo de Amerigo deriva do óbvio fato de que estas duas instâncias não dão muito certo, não combinam muito bem. Sou forçado a me lembrar do comentário de Alexander Herzen (37) acerca dos latinos: eles não querem liberdade, querem implorar pela liberdade.

 

Na metade do dia, Amerigo aproveita a diminuição do fluxo de votantes e vai para casa almoçar (morava sozinho, num pequeno apartamento; uma diarista fazia faxina, cozinhava para ele e o servia à mesa! Escrito em 1963 e retratando acontecimentos de 1953, é claramente um romance histórico). Procura um livro para ler. Sua biblioteca é restrita. Havia tempo procurava afastar de si aliteratura pura”: “A literatura das pessoas parecia-lhe uma extensão de lápides de cemitério: a dos vivos e a dos mortos. Agora nos livros procurava outra coisa: a sabedoria das épocas ou simplesmente alguma coisa que fosse útil para compreender alguma coisa”. Buscando uma leitura que acompanhasse e canalizasse suas reflexões, faz uma tentativa com os Manuscritos juvenis de Marx. A universalidade do homem aparece prática e exatamente naquela universalidade que faz da natureza toda o corpo inorgânico do homem (...) A natureza é o corpo inorgânico do homem, precisamente na medida em que ela própria não é o corpo humano”. Portanto, o gênio transforma tudo em si próprio. Assim como Marx inventou O Capital a partir do capitalismo, Calvino transfigura uma passagem de Marx no próprio Calvino: o homem que toma sopa é a sopa que o toma. Completitude é tudo.

 

Fortalecido e confiante pela leitura do texto tranqüilizador, Amerigo fala com Lia, ao telefone. É mais uma das conversas costumeiras entre os dois, permeadas de insignificâncias e discussões banais. Ela liga de novo e diz que está grávida: “Para ele, a procriação, antes de tudo, era uma derrota de duas idéias. Amerigo era um partidário ferrenho do controle da natalidade, apesar de que seu partido naquele ponto se mostrava entre agnóstico e contrário. Nada o escandalizava mais do que a tola leviandade com que os povos se multiplicam, e quanto mais famintos e atrasados são, menos param de fazer filhos, nem tanto porque querem mais porque estão acostumados a deixar nas mãos da natureza, da desatenção, do abandono”. Na terra de Margaret Sanger (38), este não é um ponto de vista exatamente assustador ou alarmante, mas para um comunista italiano dos anos 60, a percepção de um mundo inteiro morrendo de crianças em excesso, de smog em excesso, era uma revelação monstruosa. Aqui Amerigo denuncia tanto a Bíblia quanto Marx como celebrantes entusiastas e insensatos da fecundidade humana. (39)

 

Amerigo volta para hospital; na enfermaria, doentes presos à cama e crianças disformes, sem braços, cujos corpos se pareciam com peixes, e se pergunta até onde um ser humano pode se dizer humano. Por fim, o dia termina, a eleição chega ao fim. Amerigo aproxima-se da janela e contempla os edifícios tristes do complexo hospitalar. Nota que um pouco de pôr-do-sol avermelhava entre os prédios: “O sol se tinha ido, mas restava um clarão atrás do perfil dos telhados e das quinas, abrindo nos pátios as perspectivas de uma cidade nunca vista”. E assim, o final de Calvino ressoa os primeiros acordes familiares: “Mulheres anãs passavam no pátio empurrando um carrinho com um feixe de lenha. A carga pesava. Chegou outra, do tamanho de uma giganta, e o empurrou, quase correndo, e riu, e todas riram. Outra, também grandona, chegou varrendo, com uma vassoura de piaçava. Uma bem gorda empurrava pelas varas mais altas um recipiente-carrinho, sobre rodas de bicicleta, talvez para o transporte da sopa. Até a última cidade da imperfeição tem sua hora perfeita, pensou o escrutinador, a hora, o instante, em que em toda cidade há a Cidade”.

 

A mais realista e específica das obras de Calvino, O dia de um escrutinador confirmou-se (até agora) como a última das narrativassecas” do autor. Em 1965, Calvino publica As cosmicômicas (40): doze histórias breves de humor cósmico que tratam, sob o manto do fantástico, da criação do universo, do homem, da sociedade. Assim como o jovem amigo de Pin que achava que a vida de fato se assemelha aos álbuns coloridos de aventuras, aqui Calvino organiza sua complexa prosa de modo a compor em palavras um superálbum colorido, narrado por Qfwfq, herói-sigla cuja evolução – da vida no interior do primeiro átomo à condição de molusco no fundo do mar, a anfíbio em escalada social, a último dinossauro vivo a colhedor de leite lunar – é descrita e narrada em doze episódios estranhos e singulares, em nada parecidos com qualquer coisa que ninguém tenha escrito desde, digamos, Luciano.

 

“Ao nascer do dia” é a história da criação do universo conforme o testemunho e a visão de Qfwfq e sua misteriosa família, que consiste de pai, mãe, irmã, irmão, vovó, bem como uma série de tios e conhecidossensibilidades informes que habitam a poeira universal prestes a se tornar a nebulosa que irá conter nosso sistema solar. Quem são e onde de fato estão estas entidades cósmicas pré-humanas e pré-temporais são informações, literalmente, obscuras, uma vez que a luz ainda não foi inventada. Assim, “Não nos restava senão esperar, mantermo-nos cobertos o maior tempo que pudéssemos, cochilar, trocar umas palavras de vez em quando para estarmos certos de que continuávamos ali; e – naturalmente – coçar-nos, porque, a bem dizer, todo aquele turbilhonar de partículas nos fazia provocar um fastidioso prurido”. E é essa coceira que começa a modificar as coisas. A matéria fluida da nebulosa começa a condensar-se. E começa também a confusão: a vovó perde sua rosca, “pequeno elipsóide de matéria galáctica”. Coisas se coagulam; forma-se o níquel; membros do grupo começam a se dispersar, flutuando e dando cambalhotas para longe, em várias direções. De súbito, a condensação está completa, e a luz irrompe. O núcleo da nébula, contraindo-se, havia gerado luz e calor, e agora havia o Sol, posto em seu lugar, e então os planetas começam a entrar em órbita. E, acima de tudo, “fazia um calor de matar”.

 

À medida que a Terra adquire aspecto gelatinoso, a irmã de Qfwfq, G’d(w)n, apavorada talvez pelo incêndio do Sol, desaparece na matéria em condensação, abrindo passagem nas profundezas do planeta. Não se soube mais dela, até que um dia, muito mais tarde, “fui encontrá-la em Camberra, em 1912, casada com um certo Sullivan, ferroviário aposentado, tão mudada que quase não a reconheci”.

 

O primeiro Calvino escrevia de modo muito próximo a seus pares, [Cesare] Pavese e [Elio] Vittoriniautores cuja tendência era refletir a narratividade de [Ernest] Hemingway e Dos Passos. Então Calvino mudou-se para Paris, onde encontrou sua própria voz (ou suas próprias vozes) e, a seu modo, foi infectado pelos franceses. Desde Os Nossos Antepassados e das três histórias que compõem O dia de um escrutinador, Calvino foi influenciado, de maneira diversa, por [Roland] Barthes e os semiólogos, por [Jorge Luis] Borges e pelo agora velho nouveau roman. N’As cosmicômicas tais influências aparecem, em geral, de modo benigno, visto que Calvino é um artista por demais formidável e original para se deixar seduzir ou desviar por teóricos ou se diluir e se perder por seguir o exemplo de outro criador. Contudo, a históriaUm sinal no espaçochega, perigosamente, quase que a ser uma homenagem reverente demais aos ideais da semiologia.

 

Uma vez que Sol leva cerca de duzentos milhões de anos para realizar uma revolução completa da galáxia, Qfwfq fica obcecado pela idéia fixa de fazer um sinal no espaço, algo que fosse peculiar, distinto e inconfundível o bastante tanto para marcar sua passagem, de modo a ser reencontrado, bem como para impressionar quem eventualmente pudesse estar observando. Sua ambição é o resultado do desejo de pensar, poispensar em algo jamais havia sido possível, primeiro porque faltavam coisas em que se pudesse pensar e segundo porque faltavam os sinais para pensá-las, mas, do momento em que havia o sinal, decorria a possibilidade de que ao pensar pensava-se num sinal, e portanto naquele, no sentido de que o sinal era a coisa em que se podia pensar e também o sinal da coisa pensada, ou seja, de si mesmo”. E então o narrador imprime no universo seu sinal, atira-o no contínuo movimento da Via Láctea, certo de queparecia avançar para a conquista da única coisa que contava para mim, sinal e reino e nome...”.

 

Lamentavelmente, um contemporâneo chamado Kgwgk, despeitado e roído pela inveja, prega uma peça: apaga o sinal de Qfwfq e, tentando imitá-lo, tenta grosseiramente fazer outro no lugar. Desalentado e enfurecido, Qfwfq quer logotraçar um novo sinal no espaço que representasse um verdadeiro sinal e fizesse  Kgwgk morrer de inveja”. Portanto, é do afã de competitividade e do desejo de não admitir a vitória do rival que nasce a arte. Porém, a tarefa de fazer sinais havia se tornado bem mais difícil, cerca de setecentos milhões de anos depois da primeira tentativa, porque as coisas eram diversas, “o mundo estava começando a dar uma imagem de si, e em cada coisa uma forma começava a corresponder a uma função” (um dos temas de O cavaleiro inexistente) e “naquele meu novo sinal estavam sensíveis as influências de como eram vistas as coisas então, chamemo-lo o estilo, aquela maneira especial que cada coisa tinha de estar ali a seu modo”.

 

Qfwfq fica muito satisfeito com seu novo sinal, original e “muito mais belo”; quanto mais o tempo passa, no entanto, gosta cada vez menos de sua marca, que considera pretensiosa e despropositada e antiquada. Envergonhado do sinal, conclui que deve apagá-lo antes que o rival o veja e o ridicularize (por isso é que os escritores revisam as velhas obras ou produzem novos livros, de modo a obliterar os anterioressim, pode chamar isso de estilo, se quiser). Por fim, Qfwfq elimina, com o máximo cuidado, seu sinal. Durante certo tempo, fica contente com a idéia de que nada mais há no espaço que possa fazê-lo parecer idiota diante do rival – nesse aspecto, lembra bastante um sem-número de escritores de meia pataca e poetastros que dão um jeito de se refugiar nos meandros de alguma universidade e, ano após ano, valendo-se do expediente de não publicar o romance prometido ou aquele poema anunciado, fazem crescer sua reputação.

 

Para o verdadeiro artista, porém, o ócio torna-se abominável. E Qfwfq começa a se divertir fazendo falsos sinais: “querendo de qualquer forma escarnecer de Kgwgk, pus-me a fazer falsos sinais, marcas no espaço, buracos, manchas, ardis que um incompetente como Kgwgk poderia tomar como sinais”. Assim, masoquistamente, o artista zomba e ri da própria arte, destrói a própria forma (o próprio signo), brinca e faz piadas de modo a confundir e explorar as galerias da Rua 57. (41) Mas as coisas começam a sair do controle. Para o horror de Qwfq, toda vez que volta a passar por aquele que acredita ser um de seus falsos sinais, encontra dúzias de outros sinais, rasuras e garatujas rabiscados sobre o sinal original, agora irreconhecível.

 

No fim das contas, tudo está tão obscuro por uma mixórdia de sinais sem significado queo mundo e o espaço pareciam ser o espelho um do outro, um e outro minuciosamente historiados de hieróglifos e ideogramas, cada qual podendo ser um sinal ou não ser (...) a perna mal estampada de um R que num exemplar de um jornal da tarde se encontrava com uma escória filamentosa do papel, uma entre as oitocentas mil escoriações de um paredão alcatroado num interstício das docas de Melbourne (...) No universo não havia um continente e um conteúdo, mas apenas a espessura geral de sinais sobrepostos e aglutinados que ocupava todo o volume do espaço”.

 

Qfwfq entrega os pontos. Não existe mais ponto de referência, “tão claro estava que independentemente dos sinais o espaço não existia e talvez nunca tivesse existido”. Assim a história chega ao fim; o resto é o solipsismo da arte. Ao velho debate entre ser e não-ser, Calvino acrescenta sua própria visão da multiplicidade dos signos, o que oblitera todo o significado e toda a possibilidade de significação. Se há nomes demais para uma coisa, é o mesmo que haver nome nenhum; portanto, coisa alguma, nada.

 

“Apostamos quanto?” dá continuidade ao mesmo tema. No início da história, Qfwfq afirma que desde sempre apostara “que o universo havia de existir, e não deu outra”. É a primeira das apostas que faz com o decano (k)yK. Ao longo das eras cósmicas, os dois vivem apostando, porque não havia mesmo mais nada para fazer, e porque era a única prova de que estavam vivos; em geral Qfwfq ganha sempre, poisjogava na possibilidade de que um dado acontecimento pudesse ocorrer, ao passo que o decano apostava quase sempre o contrário”.

 

Qfwfq continua vencendo até que começam a fazer prognósticos com grandes saltos temporais, especulando sobre o futuro. “No dia 8 de Fevereiro de 1926, em Santhià, província de Vercelli, correto?, na rua Garibaldi, número 18, está me acompanhando?, a senhorita Giuseppina Pensotti, de vinte e dois anos, sai de casa às cinco e quarenta e cinco da tarde: e segue para a esquerda ou para a direita?”. Qfwfq começa a perder. Então começam a fazer apostas sobre personagens de romances ainda não escritos… Balzac faz Lucien Rubempré se suicidar ao final de As Ilusões Perdidas? Essa o decano ganha. A vantagem de Qfwfq diminui.

 

Os dois apostadores acabam tendo à disposição uma vasta fundação de pesquisa, a que recorrem para subvencioar seus estudos, com inúmeras bibliotecas de obras de consulta, revistas especializadas, calculadoras potentes. Por fim, assim como ocorre com o próprio universo, começam a se afogar em signos e símbolos. Nostalgicamente, Qfwfq rememora os primeiros tempos: “E penso como era belo então, através daquele vácuo, traçar retas e parábolas, individuar o ponto exato, a interseção entre espaço e tempo em que deveria espoucar o acontecimento, incontestável no relevo do seu fulgor; enquanto agora os acontecimentos fluem ininterruptos, como uma corrida de cimento, uns por cima dos outros, uns incrustados nos outros, separados por títulos negros e incongruentes, legíveis à vontade mas intrinsecamente ilegíveis, uma pasta de acontecimentos sem forma nem direção, que circunda submerge tritura qualquer raciocínio”.

 

Em outra história, “Os Dinossauros”, Qfwfq é o último dinossauro vivo do planeta, e passa a conviver com a raça que o sucederá na linha evolutiva, o ser humano. Os Novos, que havia várias gerações não tinham visto mais dinossauros, e não sabiam reconhecê-los, não suspeitam nem percebem que se trata de um dos seus temíveis inimigos do passado. Acham que é um forasteiro extremamente feio, mas não de todo estrangeiro. A atitude de Qfwfq é a mesma do protagonista de Os Herdeiros, de William Golding (42), exceto pelo fato de que na versão de Calvino o último dos Velhos se mistura a seus herdeiros, é absorvido por eles. Distraído e entretido, Qfwfq ouve as lendas monstruosas e contraditórias que contam sobre sua raça, atributo do poder da imaginação humana, presta atenção às palavras que usa, aos sinais que reconhece. Por fim, conclui: “agora sabia que os dinossauros, quanto mais desaparecem, tanto mais estendem seu domínio, e sobre as florestas bem mais ilimitadas que as que cobrem os continentes: no intrincado do pensamento de quem resta”. Mas Qfwfq não se mostra sentimental por ser o último remanescente dos dinossauros; ao final da história, ele vai embora, deixando para trás os Novos: “percorri vales e planícies. Cheguei a uma estação, tomei o trem, perdi-me na multidão”.

 

Em “A Espiral”, a última das cosmicômicas, Qfwfq é um molusco agarrado a um rochedo do mar primevo. Mais uma vez, o tema é in ovo omnes. Calvino descreve, com minúcia, as sensações do molusco na pedra, “polpa de molusco achatada, úmida e feliz (...) Claro, vivia um pouco concentrado em mim mesmo, isso é verdade, não existe comparação com a vida de relacionamentos que se leva agora; e admito até ter sido – um pouco por causa da idade, um pouco por influência do ambiente –, como se diz, levemente narcisista; em suma, estava ali a me observar o tempo todo, vendo em mim todas as qualidades e todos os defeitos, e me comprazia, tanto com uns quanto os outros; não havia termos de comparação, é preciso que se leve em conta também isso”. Era o Éden. Mas então o calor do Sol começa a alterar as coisas; aparecem traços e vibrações do outro sexo; surgem ovos a serem fertilizados: o amor.

 

Em resposta desconfiada, ansiosa e aflita às novidades, Qfwfq se expressa fazendo a primeira coisa que lhe ocorre: uma concha, que acaba adquirindo o formato de espiral; a concha espiralada se revela um lugar necessário e indispensável de defesa para a sobrevivência do narrador, bem como lhe parece inusitadamente bela. Ainda assim, Qfwfq não se gaba de tanta beleza: “Posso dizer, portanto, que minha concha se fazia por si mesma, sem que eu aplicasse uma tenção especial em fazê-la acabar sendo mais de uma forma que de outra”. Porém, ao mesmo tempo o artista intuitivo também se auto-afirma: “Mas isso não quer dizer que entrementes eu ficasse distraído, de espírito livre; ao contrário, aplicava-me naquele ato de secretar sem me distrair um segundo, sem jamais pensar em outra coisa (...)”. Enquanto isso, por seu turno, ela, a amada, ia construindo sua própria concha, em tudo idêntica à dele.

 

Passam-se eras, quinhentos milhões de anos. A concha-Qfwfq olha à sua volta, e acima do rochedo a ferrovia escarpada, e o trem que passa por ela, com uma comitiva de jovens holandesas debruçadas nas janelas. Qfwfq tudo e não acha nada de extraordinário, porqueao fazer a concha me parece haver feito igualmente o resto”. Mas eis que um elemento novo passou a integrar a equação. “Eu não tinha previsto uma coisa: os olhos que finalmente se abriram para nos ver não eram nossos mas de outros”. É assim que morre Narciso. “Em suma, os olhos foram feitos à nossa custa. Assim, a vista, a nossa vista, que obscuramente esperávamos, foi a vista que em realidade os outros tiveram de nós”.

 

Mas o artista que construiu a concha em forma de espiral não se deixa vencer por um erro de cálculo ou pelo destino. Orgulhoso, conclui: “Todos esses olhos eram meus. Eu os havia tornado possíveis, eu tivera a parte ativa; eu lhes fornecera a matéria-prima, a imagem”. Novamente um final elegante e espirituoso, porque, fixado no olho do observador está não apenas o fato concreto da bela concha que ele construiu mas tambéma mais bela imagem dela”, que havia inspirado a concha e que era a concha: assim, macho e fêmea são, finalmente, unidos na retina do olho de um estranho.

 

Em 1967, Calvino publicou mais aventuras de Qfwfq em Ti con zero (43), em grande parte uma série de cartuns engajados, mas, como leitor, vi-me desconcertado ao encontrar tantos pedacinhos de Sarraute (44), de Robbe-Grillet (45), de Borges (e Borges demais, além da conta), incorporados à prosa de um autor que cheguei a ter na conta de um verdadeiro mestre da modernidade. À página 6 encontrei “viscoso”; à pagina 11, “mucosa ácida”. Comecei a ficar preocupado e um tanto enjoado: estas são palavras de Sarraute. Mas pensei que era uma questão de mera coincidência. Porém, quando, à página 29, vi a terrível palavramagma”, concluí que Calvino havia passado tempo demais em Paris, porque apenas os sarrautistas usam “magma”, termo que o grande teórico do velho nouveau roman (46), a seu modo tão arbitrário e singular, surrupiou às ciências. Em outros momentos, ao longo das histórias, o uso da técnica de Robbe-Grillet de registrar obsessivamente as minúcias de situações banais equivale a um balde de água fria que o próprio Calvino despeja sobre seus melhores efeitos.

 

A bem da verdade, “A Perseguição” poderia ter sido escrito por Robbe-Grillet. E isso não é um elogio. Peguemos o início:

Aquele carro me perseguindo é mais veloz que o meu; dentro dele há um homem, sozinho, armado de pistola, uma bela arma. Paramos num semáforo, numa fila comprida. O sinal está regulado de maneira tal que do nosso lado a luz vermelha dura cento e oitenta segundos e a luz verde cento e vinte, sem dúvida com base na premissa de que o tráfego perpendicular é mais pesado e mais vagaroso.

E assim por diante, ao longo de dezesseis páginas, como se fosse um filme em câmera lenta.

A teoria subjacente a este tipo de prosa enervante é a seguinte: uma vez que escrever é descrever, com palavras, por que então não descrever as próprias palavras (com outras palavras)? Ou, louvado seja Deus!, palavras descrevendo palavras descrevendo uma ação sem importância – o cantinho do quarto em O Ciúme (1957), de Robbe-Grillet. Tal tipo de “experimentação” sempre me pareceu mais útil para alunos de cursos de Letras e Lingüística do que para leitores de literatura. Seguindo o próprio caminho e em sua melhor forma, Calvino sabe fazer o que poucos escritores conseguem: descreve mundos imaginários com a mais extraordinárias precisão e beleza (palavra que ele, sozinho, retirou da esfera de suspeição que os adeptos do nouveau roman mantêm ao redor de todas palavras e qualquer narrativa).

N’As cosmicômicas Calvino torna possível ao leitor habitar um molusco, um méson, um dinossauro; pela primeira vez, permite ao leitor ver a luz dando fim a um universo mergulhado na treva. Uma vez que se trata de um dom ímpar, penso ser absolutamente alarmante a “literariedade” de Ti con zero. Fiquei particularmente desnorteado diante da história central, “Ti con zero”, que poderia muito bem ter sido escrita por Borges (deveria ter sido, aliás, porque seria melhor).

Munido de arco e flecha, Qfwfq enfrenta um leão rampante. Mentalmente, o herói faz uma equação: o tempo-zero é onde está Qfwfq; onde o leão-0 está. Pela cabeça de Qo passam todas as combinações de series finitas ou infinitas, exatamente como acontece com o homem diante do pelotão de fuzilamento na famosa história de Borges. Ora, é possível que estas histórias tenham maior apelo para mentes mais convergentes que a minha (supõe-se que estudantes de matemática, engenheiros e jovens Republicanos pensem de maneira convergente, ao passo que romancistas, gourmets e humanistas não-cristãos pensem de modo divergente), mas a meu ver esta apresentação pseudocientífica de séries de possibilidades é profundamente chata.

Entretanto, há no livro momentos deliciosos. Especialmente “A Origem dos Pássaros”. “Agora estas histórias podem ser mais bem contadas com desenhos em quadrinhos do que com uma narração composta de frases uma seguida da outra”. Assim, colocando uma frase seguida de outra, o engenhoso Calvino descreve um álbum colorido de aventuras, e o efeito é no mínimo encantador, ainda que a peripécia de Qfwfq entre os pássaros não seja de fato um álbum colorido, e sim a descrição de um álbum colorido em palavras.

A técnica do narrador é a mesma de O cavaleiro inexistente. Primeiro esboça a cena para depois apagá-la, assim como fazia a irmã Teodora, que ia eliminando oceanos e florestas à medida que impelia os amantes rumo ao inevitável encontro amoroso. Como qualquer outro escritor, Calvino também chega a ponto de dizer que aquilo que se sente sobre a criação talvez não possa ser expresso por palavras ou sequer esboçado em desenhos e imagens.

Consegui envolver num único pensamento o mundo das coisas como eram e das coisas como poderiam ter sido, e percebi que um único sistema incluía todas elas”. Nos braços de Or, a rainha dos pássaros, Qfwfq começa a ver queo mundo é único e tudo o que existe não pode ser explicado sem ele...”. Mas foi longe demais. Quando está prestes a dizer o indizível, Or tenta impedi-lo. Mas ele ainda consegue deixar escapar. “Não existe diferença alguma. Monstros e não monstros sempre estiveram próximos uns dos outros! Aquilo que nunca existiu continua a existiraquilo que nunca foi continua a ser...”. A essa altura, os pássaros o expulsam de seu paraíso; qual um sonhador que acorda de supetão, ele esquece sua visão de unidade: “Os últimos quadrinhos são todos de fotografias: um pássaro, o mesmo pássaro em close, a cabeça do pássaro, um detalhe ampliado da cabeça, o olho”). É o mesmo olho que aparece ao final d’As cosmicômicas o olho da consciência cósmica, para todos aqueles que se lembram do guru de uma geração atrás, o Dr. Richard M. Bucke. (47)

Calvino encerra o livro com sua própria versão de O Conde Monte Cristo. O problema que propõe para si mesmo é como escapar do Chateau d’If. O abade Faria faz planos e escava túneis, mas erra continuamente o caminho e acaba por encontrar-se sempre em locais mais profundos da fortaleza sem fim e sem saída. Por outro lado, Edmond Dantès medita acerca da natureza da fortaleza, bem como sobre os vários esboços do romance que Dumas está escrevendo. Em algumas versões, Dantès vai conseguir escapar e encontrar o tesouro e se vingar dos inimigos. Em outros, sua sorte é diferente. O narrador contempla as possibilidades de fuga considerando a maneira com que a fortaleza (ou a obra de arte) é construída. “Para planejar um livroou uma fuga –, a primeira coisa que se deve saber é o que excluir”. Esta história em particular é Borges em estado puro; e, levando-se em conta a unidade essencial da multiplicidade de todas as coisas, não se pode descartar a idéia de que a versão de Calvino para O Conde de Monte Cristo de Alexandre Dumas seja de fato a mais fina façanha de Jorge Luis Borges, segundo imaginada por Italo Calvino.

O sétimo e mais recente romance (ou tratado de filosofia, ou meditação ou poema) de Calvino, As cidades invisíveis (48) talvez seja sua mais bela obra. Sentados num jardim de magnólias estão o envelhecido Kublai Khan e o jovem Marco Poloimperador tártaro e viajante veneziano. O ambiente é de ocaso, de declínio. Próspero ergue pela última vez sua varinha mágica: o grande Khan sente que se avizinha o fim de seu império, de duas cidades, de si próprio.

Marco Polo, entretanto, distrai o imperador com relatos e descrições das cidades que viu e visitou em suas andanças pelo vasto império do conquistador mongol. Kublai Khan ouve atentamente, absorto, e medita, busca estabelecer um padrão, um paradigma para o conjunto de cidades apresentadas pelo aventureiro, que acabam formando uma geografia fantástica: As cidades e a memória, As cidades e o desejo, As cidades e os símbolos, As cidades delgadas [ou sutis], As cidades e as trocas, As cidades e os olhos, As cidades e os nomes, As cidades e os mortos, As cidades e o céu, As cidades contínuas, As cidades ocultas. O imperador logo conclui que todos esses lugares fantásticos são na verdade um mesmo e único lugar.

Marco Polo concorda: “– As margens da memória, uma vez fixadas com palavras, cancelam-se – disse Polo (E o mesmo disse Borges, tantas vezes!). – Pode ser que eu tenha medo de repentinamente perder Veneza, se falar a respeito dela. Ou pode ser que, falando de outras cidades, a atenha perdido pouco a pouco”. Mais uma vez o tema da multiplicidade e da completitude, “quando toda cidade”, como Calvino escreveu ao final d’O dia de um escrutinador, “é a Cidade”.

Descrever o conteúdo de um livro é a mais árdua das tarefas; e diante da maravilhosa criação que é As cidades invisíveis, é também completamente irrelevante. Pouparei-me do ingrato trabalho. Anoto, porém, que algo de novo e sábio passou a fazer parte do cânone de Calvino. O artista parece ter feito as pazes e chegado a termos com a tensão entre a idéia humana acerca dos muitos e do uno, do coletivo e do individual. E agora poderia, se quisesse, parar de escrever.

Ainda assim, Calvino se obrigado a seguir escrevendo, assim como seu Marco Polo é impelido a continuar viajando, porque

não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
Você viaja para reviver o seu passado? – era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira: Você viaja para reencontrar o seu futuro? E a resposta de Marco: – Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá”.

Adiante, depois de mais descrições de suas cidades, Kublai Khan pensa queo império talvez não passe de um zodíaco de fantasmas da mente”.

Quando conhecer todos os emblemas – perguntou a Marco –, conseguirei possuir o meu império, finalmente? E o veneziano: – Não creio: nesse dia, Vossa Alteza será um emblema entre os emblemas”.

Por fim, o Khan reconhece que todas as cidades caminham na direção dos círculos concêntricos do Inferno de Dante.

Disse: - É tudo inútil, se o último porto pode ser a cidade infernal, que está no fundo e que nos suga num vórtice cada vez mais estreito.
E Polo: - O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que está aqui. O inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço.

Ao longo do último quarto de século, Italo Calvino esteve muito à frente de seus contemporâneos norte-americanos e ingleses. Enquanto que os anglófonos continuam procurando o lugar em que as aranhas fazem os ninhos, Calvino não apenas encontrou aquele lugar especial como também aprendeu a construir fantásticas teias de prosa nas quais tudo gruda. De fato, lendo Calvino, tenho a desconcertante sensação de que também estou escrevendo o que ele escreveu; assim, sua arte prova que escritor e leitor tornam-se apenas um, ou Um.

P.S. Ainda não li La speculazione edilizia (A especulação imobiliária, 1957). Pela descrição do romance que consta do Dizionario della letteratura italiana contemporanea, trata-se de uma denúncia generalizada do surto imobiliário da Itália do pós-guerra, e da impotência do intelectual Quinto Anfossi para chegar a termos com a “febre do cimento e do concreto”.

Notas e Comentários

(1) Tradução do ensaioFabulous Calvino”, originalmente publicado em The New York Review of Books, vol. 21, n° 9 (30 de Maio de 1974), pp. 13-21. A versão eletrônica do ensaio está disponível em http://www.des.emory.edu/mfp/calvino.

(*) Doutorando em Teoria e História Literária na área de Literatura Norte-Americana, no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp.

(2) Referência ao poeta inglês W.[ystan] H.[ugh] Auden (1907–1973) e seu poema The Age of Anxiety: A Baroque Eclogue, de 1947, écloga pastoral encenada em um bar de Nova Iorque e escrita em versos aliterativos.

(3) Publicado em 1941, o polêmico romance da norte-americana Carson McCullers (1917–1967) gira em torno de uma história obsessiva de infidelidade, voyeurismo e homossexualidade reprimida, passada numa base militar; um oficial, a sua mulher, um criado filipino e um soldado raso estabelecem uma relação claustrofóbica de transgressão, expondo “desviossexuais, raciais e sociais dentro da tradicionalista instituição do Exército. Em 1967 o romance rendeu uma versão para o cinema, dirigida por John Huston e estrelada por Marlon Brando e Elizabeth Taylor (roteiro de Gladys Hill e Chapman Mortimer; Warner / Seven Arts Productions). No Brasil o filme foi exibido como Os Pecados de Todos Nós.

(4) Dono de vasta bibliografia que inclui romances, coletâneas de contos e uma autobiografia, o norte-americano Paul Bowles (1910–1999) começou a carreira como poeta, foi compositor de sucesso, freqüentou o círculo de Gertrude Stein, morou no México (onde dividia uma casa com W. H. Auden e Benjamim Britten) e finalmente se instalou no Marrocos, onde viveu por 52 anos. O Céu que nos Protege (1949), seu primeiro romance, revelou um autor, na opinião de Gore Vidal, “perturbador”. O enredo gira em torno da viagem de três turistas norte-americanosPort, Kit e Tunner – ao Marrocos. Hospedando-se em pensões baratas e se deslocando em meios de transporte precários, os personagens travam uma conversa individual com suas próprias almas. É nesse ambiente que Kit se perde no deserto e passa a viver entre as odaliscas de um sultão até ser resgatada. A obra foi transformada em filme no início da década de 1990, sob a direção de Bernardo Bertolucci, com Debra Winger e John Malkovich (roteiro de Mark Peploe e Bernardo Bertolucci; TAO Film / Aldrich Group / Film Trustees Ltd. / Recorded Picture Company / Sahara Company / Warner).

(5) Clássico da dramaturgia norte-americana, a peça de Tennessse Williams (1911–1983), chegou ao palco pela primeira vez em 1947, sob direção de Elia Kazan, com Marlon Brando e Jessica Tandy no elenco, e ganhou o prêmio Pulitzer. Em 1951 o drama mereceu uma versão não menos antológica para o cinema, sob a direção de Elia Kazan e estrelando Marlon Brando e Vivien Leigh. O tour de force emocional da peça tem início quando Blanche DuBois, uma professora de alma delicada do Mississippi, vai passar alguns dias com a irmã Stella e o cunhado, Stanley Kowalski, em Nova Orleans. Frágil e totalmente fantasiosa, o comportamento de Blanche contrasta com os modos rudes de Stanley. O esforço de Blanche em impor-se apenas faz aflorar o lado animalesco de Stanley. A visita acaba ganhando contornos trágicos. No Brasil, peça e filme ficaram em cartaz também com o título Uma Rua Chamada Pecado.

(6) O dançarino e coreógrafo britânico Antony Tudor (William John Cook, 1908 –1987) transformou radicalmente a dança norte-americana, injetando tons mais emocionais à fórmula sinfônica do balé do século XIX e acrescentando profundidade e impacto teatral à tradição da dança narrativa européia. Atuou no Ballet Club e no American Ballet Theatre.

(7) Leonard Bernstein (1918–1990), regente, compositor, pianista e militante pacifista norte-americano. Formou-se na Universidade de Harvard e completou os estudos no Curtis Institute of Music. Tornou-se Diretor Musical da Filarmônica de Nova York em 1958, orquestra com a qual conduziu um número recorde de apresentações e fez mais da metade de suas gravações. Ocupou o cargo até renunciar em 1969, sendo agraciado com o título de Maestro Honorário Vitalício. Fez também inúmeros concertos em Israel, país escolhido por ele para a estréia de diversas obras. Bernstein tornou-se ainda mais popular na década de 1950, quando começou a apresentar programas de televisão. Entre os mais famosos estão “Omnibus” (1954), em que ensinava música erudita para leigos, e “Young Peoples Concert” (1958), na CBS. Em 1957, foi aclamado pela estréia de seu musical West Side Story (no Brasil, Amor, Sublime Amor). A peça, exibida na Broadway, mostra a rivalidade entre duas gangues no subúrbio norte-americano, atualizando o tema de Romeu e Julieta. Anos mais tarde, a obra seria adaptada para o cinema e ganharia o Oscar de melhor trilha sonora. Cansado das apresentações, na década de 70 Bernstein passou a dedicar-se apenas às composições. Em 1978 enviuvou, voltou a dar aulas de música e a realizar alguns breves concertos. Pouco tempo antes de falecer, fundou a Beta (The Bernstein Education Through the Arts Fund), entidade filantrópica dedicada à música.

(8) Irônica e maldosa referência a Joseph Raymond McCarthy (19081957), senador pelo estado de Wisconsin entre 1947 e 1957, inicialmente como membro do Partido Democrata, depois do Republicano. Durante seus dez anos no Senado, McCarthy e sua equipe tornaram-se célebres pelas investigações agressivas contra o governo federal dos EUA e pela campanha histérica contra todos os suspeitos de simpatizar com os comunistas – artistas, intelectuais, escritores, jornalistas etc., que passavam a integrar uma lista negra apenas pela suspeição de simpatia pelos ideais socialistas. Na história política norte-americana, o terrível período compreendido entre 1950 e 1956 ficou conhecido como “Terror vermelho” (Red Scare) ou Macartismo ou ainda “caça às bruxas”.

(9) Samuel Barber (1910–1981) foi um dos mais importantes compositores neo-românticos dos Estados Unidos. Diversas composições suas foram inspiradas em temas da literatura.

(10) Harold Acton (19041994), escritor anglo-italiano mais famoso por ter inspirado o personagem Anthony Blanche no romance de Evelyn Waugh, Brideshead Revisited (1945).

(11) Frederic Prokosch (1906–1989), romancista e poeta norte-americano, doutor em literatura pela Universidade de Yale, autor de The Asiatics (1935; Os Asiáticos, na tradução brasileira publicada pela Marco Zero em 1986). Ao longo da carreira, escreveu dezesseis romances, vários volumes de poesia e uma autobiografia.

(12) George Santayana era o pseudônimo do filósofo, poeta e crítico de cultura e de literatura Jorge Augustín Nicolás Ruiz de Santayana (18631952). Nascido em Madri, onde viveu até os 8 anos, Santayana mudou-se para Boston, nos EUA, onde permaneceu por quarenta anos, doutorando-se em Harvard e tornando-se figura central da Filosofia Americana Clássica. Depois viveu mais quarenta anos na Europa.

(13) Epíteto dado às irmãs católicas do Imaculado Coração de Maria, em virtude dos hábitos azuis que costumam trajar.

(14) Robert Lowell (1917–1977), tido por muitos como o poeta norte-americano mais importante da segunda metade do século XX, nasceu em Boston, da mesma tradicionalíssima família protestante dos poetas James Russell Lowell e Amy Lowell, inequivocadamente identificada com a dominação social e política do protestantismo e o industrialismo norte-americanos. Foi aluno do poeta Richard Eberhart no St. Marks College, estudou Literatura Inglesa em Harvard e completou sua formação no Kenyon College, em Ohio, sob John Crowe Ransom. Graduou-se em Estudos Clássicos (mais tarde traduziria a Orestéia, além de poetas modernos, como Rimbaud, Baudelaire e Montale). Passou um ano na Louisiana State University, onde teve Robert Penn Warren como um de seus orientadores. Em 1946, o volume Lord Wearys Castle ganhou o Pulitzer Prize, estabelecendo sua reputação literária. Ainda em 1949 Lowell é internado com o diagnóstico de psicose maníaco-depressiva. Professor na University of Iowa, na University of Cincinnati, na Boston University e depois em Harvard, Lowell lecionou para muitos poetas que viriam a ser famosos, como Sylvia Plath, Anne Sexton, Adrienne Rich e George Starbuck. A partir de Life Sudies (1959), Lowell abandona a linguagem tortuosa que caracterizava sua poesia anterior para, então, enfrentar, com linguagem mais simples, seu próprio caos particular de homem vitimado por periódicos colapsos nervosos, expondo a história de sua família, seu alcoolismo e seus problemas conjugais. Até a publicação de Life Studies Lowell era um formalista, um “queridinho” do New Criticism, escrevia uma poesia irônica, meticulosa, complexa, simbólica, usando rigorosos esquemas métricos e rímicos, aliterações, assonâncias, paradoxos, numa linguagem densamente urdida, sob o inquebrantável dogma de que a poesia nada tinha a ver com a pessoa que a fazia. Era uma poesia repleta de intenções grandiosas, místicas, transcendentes, referências religiosas e mitológicas. A partir de Life Studies, vencedor do National Book Award de 1960, Lowell, descobrindo sua individualidade, e celebrando nela suas manifestações mais pessoais e difíceis, abandonou os símbolos, a linguagem tornou-se clara e coloquial, os temas passaram a ser profunda e insistentemente contemplativos e pessoais. Ele escrevia, sem evasivas, como um homem que sofrera colapsos e que se via acossado a cada crise por fantasmas familiares. Em vez de impessoalidade, havia agora em sua poesia urgência, vulnerabilidade e ironia. Em consonância com os experimentalismos da poesia beat, Lowell ajudou a inaugurar o fenômeno literário da poesia norte-americana conhecido como “Confessional Poetry”.

(15) Célebre crítico literário e romancista norte-americano, Edmund Wilson (1895-1972) estudou em Princeton, serviu na Primeira Guerra e iniciou sua carreira como repórter e jornalista cultural. Na década de 1920, escreveu sobre Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald, Eugene O’Neill e e.e. cummings para publicações como New Republic, Dial e Bookman. Em sua obra-prima, Axels castle, de 1931 (O castelo de Axel, tradução de José Paulo Paes. São Paulo, Cultrix, 1959), explora o mundo de Proust, Rimbaud, Joyce, Yeats e Gertrude Stein. Em To the Finland Station (Rumo à Estação Finlândia, tradução de Paulo Henriques Britto, São Paulo, Companhia das Letras, 1986), Wilson expressou sua revolta e seu idealismo numa obra épica sobre a história da escrita e da ação revolucionárias, em que problematiza o estudo da revolução soviética, tendo como pano de fundo uma complexa trama com personagens históricas.

(16) Durante quase trinta anos, de 1934 a 1961, o historiador inglês Arnold Toynbee (1889–1975) redigiu a mais impressionante obra da história do século XX: A Study in History (Um Estudo de História), em doze volumes, fora a introdução. A obra é uma investigação do nascimento, desenvolvimento e declínio de civilizações; os problemas históricos são tratados em termos de grupos culturais, e não nacionalidades.

(17) Publicado em 1945; trata-se da autobiografia de George Santayana.

(18) John dos Passos (1896–1970), romancista norte-americano descendente de portugueses. Formou-se pela Universidade de Harvard, e logo depois serviu na Primeira Guerra como motorista de ambulância e soldado das tropas regulares. O entusiasmo pela guerra foi desfeito nos campos de batalha e dessa desilusão surgiu seu primeiro livro, A iniciação de um homem (1919). Manhattan transfer, de 1915, causou algum impacto, mas foi a trilogia USAcomposta de Paralelo 42 (1930), 1919 (1932) e O grande capital (1936) – que o levou ao ápice de sua carreira e a ser considerado um clássico da moderna literatura dos Estados Unidos.

(19) John Steinbeck (1902-1968), romancista norte-americano. Suas obras principais, todas com versões para o cinema, são Ratos e Homens (Of Mice and Men, 1937), A Leste do Paraíso (East of Eden, 1952) e As Vinhas da Ira (The Grapes of Wrath, 1939).

(20) Il sentiero dei nidi di ragno, Turin, Einaudi, 1947. No Brasil, A trilha dos ninhos de aranha, tradução de Roberta Barni, São Paulo, Companhia das Letras, 2004, edição da qual são tomados os trechos traduzidos aqui apresentados.

(21) The Path to the Nest of Spiders, tradução de Archibald Colquhoun, Boston, Beacon, 1957. O tradutor (ou o editor) de uma primeira tradução do romance para o inglês (em 1956) alterou e removeu certas passagens consideradas inadequadas para o clima político e sexual da década.

(22) Em The Spire (A Torre, de 1964), o Deão Jocelin, da Catedral da Virgem Maria, impõe para si e para a equipe de pedreiros de Roger Mason uma tarefa impossível: levantar uma gigantesca torre no pináculo da catedral, a despeito do fato de que o edifício da igreja não possui fundação suficiente para suportar o peso de tal estrutura. Obcecado por uma visão, Jocelin persiste e acaba envolvendo todos numa espiral de problemas financeiros, brigas, morte e delírio. O britânico William Golding (1911–1993), vencedor do Nobel de Literatura em 1983, é mais famoso no Brasil pelo romance The Lord of the Flies (O Senhor das Moscas, de 1954), seu romance de estréia, fábula pessimista sobre a condição humana, e que narra como um grupo de jovens, depois da queda de um avião, tenta sobreviver numa ilha deserta. No começo, os adolescentes se organizam segundo os princípios da civilização, ao mesmo tempo que desfrutam da natureza e da liberdade. A descoberta de um tesouro vai corromper a paz em que viviam. Os instintos selvagens tomarão o lugar dos ideais de harmonia. A ilha paradisíaca se transformará num arquipélago do inferno.

(23) A linha imaginária Mason-Dixon marca a divisa entre a Pensilvânia e Maryland, separando os estados livres dos escravagistas. A tarefa da demarcação ficou a cargo dos astrônomos ingleses Jeremiah Dixon (1733–1779) e Charles Mason (1730–1787). O serviço durou três anos, de 1763 a 1766, mas índios impediram os dois de continuar, e o trabalho foi completado em 1767, por outras pessoas. Mesmo assim, a fronteira ficou conhecida pelo nome dos pioneiros. Em 1997, Thomas Pynchon publicou o romance Mason & Dixon, uma recriação das aventuras dos dois – no Brasil, o romance foi traduzido em 2005 por Paulo Henriques Britto e publicado pela Companhia das Letras.

(24) Il visconte dimezzato, Turin, Einaudi, 1952. Em inglês, The Cloven Viscount. Tradução de Archibald Colquhoun, Nova York, Random House, 1962. No Brasil, O visconde partido ao meio, tradução de Nilson Moulin, 1996; os trechos traduzidos aqui apresentados são extraídos da 2ª reimpressão da 2ª edição, 2005.

(25) A trilogia I nostri antenati (1960) compreende os romances O visconde partido ao meio (Il visconte dimezzato, de 1952), O barão nas árvores (Il barone rampante, de 1957) e O cavaleiro inexistente (Il cavaliere inesistente, de 1959). Em inglês, a trilogia se chama Our Ancestors. No Brasil, o volume Nossos Antepassados, contendo os três pequenos romances, veio a lume em 1997, pela Companhia das Letras.

(26) Figura reclusa e excêntrica, T.H. White (1906-1964) tornou-se um dos autores mais cultuados da literatura inglesa do século XX, graças à sua primorosa versão da saga do rei Arthur. Formada por cinco volumes lançados a partir do final dos anos 30, a série The Once and Future King (O Único e Eterno Rei) vendeu milhões de exemplares e deu origem a um desenho animado da Disney. No Brasil, editados pela W11, os volumes da saga são: A Espada na pedra; A Rainha do ar e das sombras; O cavaleiro imperfeito; A chama ao vento e O Livro de Merlin.

(27) Curzio Malaparte (1898–1957), pseudônimo de Kurt Erich Suckert, escritor italiano da primeira metade do século XX. Como muitos jovens italianos dos anos 20, Malaparte converteu-se ao fascismo. próximo ao fim da vida, passou a interessar-se pelo maoísmo. O romance La Pelle (The Skin, na edição em inglês, e A Pele, na edição brasileira de 1971 pela Abril Cultural) é de 1949, e retrata as experiências de Malaparte durante a Segunda Guerra Mundial em Nápoles. O livro rendeu uma adaptação para o cinema, La Pelle (ou La Peau; Itália/ França, 1981), indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes (Direção de Liliana Cavani, com Marcello Mastroianni, Burt Lancaster e Claudia Cardinale no elenco).

(28) No romance Pamela (Pamela, ou a Virtude recompensada), publicado em 1740, Samuel Richardson (1689-1761), um dos precursores da literatura folhetinesca, narra as desventuras de Pamela Andrews, filha de camponeses que é educada por uma senhora nobre que, ao morrer, entrega a moça aos cuidados de seu filho, o Conde de Belfart. Com ameaças, o jovem inescrupuloso atenta contra a virtude de Pamela, e acaba por entregá-la a uma vulgar alcoviteira. Mas Pamela consegue se defender, mantendo intacta a sua honra. Acaba por comover com suas lágrimas abundantes o Conde de Belfart que, arrependido, termina se casando com a heroína.

(29)La formica argentina” saiu no número X da revista. No Brasil, o conto “A formiga-argentina” está incluído na segunda parte (“A Vida Difícil”) da edição de Os amores difíceis, tradução de Raquel Ramalhate, São Paulo, Companhia das Letras, 1992; os trechos traduzidos aqui apresentados são extraídos da 3ª reimpressão (1993). Outras informações bibliográficas: Gli amori difficili, Turin, Einaudi, 1970. Em inglês, Difficult Loves, tradução de Archibald Colquhoun, William Weaver e Peggy Wright, Nova York, Harcourt Brace, 1984; “La formica argentina, Turin, Einaudi, 1965; “The Argentine Ant” e “Smog(“A Nuvem de Smog” aparecem em The Watcher and Other Stories, tradução de William Weaver, Nova York, Harcourt Brace, 1971; há também uma edição portuguesa, A Nuvem de Smog e A Formiga Argentina, tradução de José Colaço Barreiros, Editorial Teorema, Lisboa, 2001.

(30) Fiabe italiane, Turin, Einaudi, 1956. Em inglês, Italian Fables, tradução de Louis Brigante, Nova York, Collier, 1961, e Italian Folktales, tradução de George Martin, Nova York, Harcourt Brace, 1980 (também editado pela Pantheon, em 1980). No Brasil, Fábulas Italianas: coletadas na tradição popular durante os últimos cem anos e transcrita a partir de diferentes dialetos, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 1992.

(31) Il barone rampante, Turin, Einaudi, 1957; em inglês, The Baron in the Trees, tradução de Archibald Colquhoun, Nova York, Random House, 1959. No Brasil, O barão nas árvores, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 1991.

(32) Na revista de Alberto Moravia, Nuovi Argumenti. No Brasil, o conto está incluído na segunda parte (“A Vida Difícil”) da edição de Os amores difíceis; os trechos traduzidos aqui apresentados são extraídos da 3ª reimpressão (1993). Na edição italiana de I Racconti, “A formiga-argentina” e “A nuvem de smog” encontravam-se na última parte, intitulada justamente La vita difficile.

(33) Il cavaliere inesistente, Turin, Einaudi, 1959; em inglês, The Nonexistent Knight, tradução de Archibald Colquhoun, Nova York, Random House, 1962. No Brasil, O cavaleiro inexistente, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 1993; os trechos traduzidos aqui apresentados são extraídos da 6ª reimpressão (1998).

(34) Nesse sentido, emblemático é o caso do bizarro personagem Gurdulu: “ Tragam-me aqui aquele Gurgur... Como se chama? – perguntou o rei; Conforme as aldeias que atravessa – disse o sábio hortelão – e os exércitos cristãos ou infiéis aos quase se junta, chamam-no de Gurdur ou Gudi-Ussuf ou Bem-Va-Ussuf ou Bem-Stanbul ou Pestanzul ou Bertinzoul ou Martimbon ou Omobon ou Omobestia ou então de Monstrengo do Valão ou Gian Paciasso ou Pier Paciugo. Pode acontecer que numa chácara perdida lhe dêem um nome totalmente diferente dos outros: notei ainda que, por toda a parte, seus nomes mudam de uma estação para outra. Dir-se-ia que os nomes deslizam sem jamais fixar-se. De qualquer modo, ele não liga nada para o jeito como o chamam. Chamem-no e ele pensa que estão falando com uma cabra; digam ‘queijooutorrente’ e ele responde: ‘Estou aqui”.

(35) São várias as reflexões da freira sobre as incertezas do fazer romanesco, como por exemplo: “Eu, que escrevo este livro recorrendo a documentos quase ilegíveis de uma crônica antiga, agora me dou conta de que preenchi páginas e páginas e ainda me encontro no início da minha história: doravante teremos o verdadeiro andamento do enredo, isto é, as viagens aventurosas de Agilulfo e de seu escudeiro para localizar a prova da virgindade de Sofrônia, as quais se entrelaçam com as de Bradamante perseguidora e perseguida, de Rambaldo apaixonado e de Torrismundo em busca dos cavaleiros do Graal. Mas este fio, em vez de fluir veloz entre meus dedos, eis que afrouxa, que se interrompe, e, se penso, em quanto tempo ainda tenho de pôr no papel os itinerários e obstáculos e perseguições e enganos e duelos e torneios, sinto que me perco”.

(36) La giornata d’uno scrutatore, Turin, Einaudi, 1963. Em inglês, The Watcher and Other Stories, tradução de William Weaver, Nova York, Harcourt Brace, 1971. No Brasil, O dia de um escrutinador, tradução de Roberta Barni, São Paulo, Companhia das Letras, 2002, edição da qual foram extraídos os trechos traduzidos aqui apresentados.

(37) Intelectual e agitador político russo (1812–1870), um dos fundadores do socialismo revolucionário na Rússia. Os textos que escrevia no jornal Kolokai (O Sino), que enviava clandestinamente para o país, moldaram o pensamento de gerações de revolucionários, caso de Lênin.

(38) Margaret Sanger (nascida Margaret Louise Higgins, 1879–1966), enfermeira e intelectual norte-americana, autora de textos defendendo a necessidade da educação sexual e das práticas de controle da natalidade. Seu feminismo se baseava no princípio de que nenhuma mulher seria livre enquanto não tivesse o controle do próprio corpo. A partir de 1914 iniciou a publicação de um panfleto intitulado “Mulher Rebelde”, em que enfocava temas como a luta pelos direitos femininos e também a contracepção. Foi perseguida, acusada de divulgar a pornografia, presa diversas vezes. Teve que se exilar na Inglaterra, para fugir à prisão. Em 1916, de volta aos EUA, fundou uma clínica de controle da natalidade. Por toda a vida, lutou para que as mulheres tivessem o direito de decidir se queriam ou não ter filhos. A pílula anticoncepcional surgiu no começo dos anos 60, quando Margaret tinha mais de 80 anos de idade. Mas em 1965 os norte-americanos reconheceram legalmente o direito ao planejamento familiar.

(39)Como poderia agora voltar para as leituras, para as reflexões universais? Até os livros abertos diante dele eram seus inimigos: a Bíblia com todo aquele problema da perpetuação, entre carestias e desertos, das gerações de uma espécie humana que quer salvar cada gota de seu sêmen, ainda incerta sobre a própria sobrevivência; e Marx, ele que também não quer freios para a semeação humana, convencido da infinita riqueza da terra, até ele: allez, todo irrigante fecundidade; vamos ! É isso mesmo! Viva! Alegria! Coisa de louco, os dois!”.

(40) Le cosmicomiche, Turin, Einaudi, 1965. Em inglês, Cosmicomics, tradução de William Weaver, Nova York, Harcourt Brace, 1968. No Brasil, As cosmicômicas, tradução de Ivo Barroso, São Paulo, Companhia das Letras, 1992, edição da qual foram extraídos os trechos traduzidos aqui apresentados.

(41) A badalada rua 57, em Nova York, era o endereço, por exemplo, do lendário estúdio Factory de Andy Warhol.

(42) The Inheritors, no original, publicado em 1955. No Brasil, a edição é da Nova Alexandria (1999), com tradução de Elsa Martins. Neste romance, o Prêmio Nobel William Golding conta a saga de uma tribo de humanos pré-históricos e seu confronto com outra tribo de humanóides menos desenvolvidos, numa luta na qual os mais hábeis e inteligentes podem sobreviver. Trata-se de uma parábola que reflete os primórdios da história humana, repleta de intolerância e violência.

(43) Ti con zero, Turin, Einaudi, 1967. Em inglês, t zero (ou também Time and the Hunter), tradução de William Weaver, Nova York, Harcourt Brace, 1969.

(44) Nathalie Sarraute, pseudônimo de Natacha Tcherniak (1900–1999), advogada e escritora francesa de origem russa, autora, entre outros romances, de Le Planétarium (O Planetário, 1959), e L’Ere du Soupçon (A Era da Suspeita, 1956), Enfance (Infância), Entre la vie et la mort (Entre a vida e a morte).

(45) Allain Robbe-Grillet (1922), engenheiro agrônomo e escritor francês, lançou seu primeiro romance, Les Gommes, em 1953. Participou do grupo de escritores reunido na Éditions de Minuit, criando as bases do Nouveau Roman em 1963. Entre seus roteiros de filmes, destaca-se O ano passado em Marienbad, dirigido por Alain Resnais. Publicou, entre outras obras, Le Voyeur (1955), La Jalousie (O Ciúme, 1957), La Maison de rendez-vous (1965), Topologie d'une cité fantôme (1976) e Os últimos dias de Corinto (1994).

(46) Em linhas gerais, o “novo romance”, cujos conceitos fundamentais estão reunidos no volume de ensaios de Robe-Grillet Pour um Nouveau Roman (1963), foi uma tendência literária do romance francês (no início dos anos 60), hostil à psicologia e baseada numa descrição objetiva dos fatos. De modos vários, os escritores do nouveau roman procuraram eliminar as personagens, o enredo e a subjetividade inerente ao trabalho do autor, tentando, na sua escrita, apresentar o mundo como uma “coisa em si mesma”, na sua solidez e pureza de conceito. Nathalie Sarraute e Alain Robbe-Grillet foram os principais representantes da tendência, mas autores como Marguerite Duras, Michel Butor e Claude Ollier foram também associados ao nouveau roman, também designado por “anti-romance”, pela subversão dos processos tradicionais da narrativa.

(47) Richard Maurice Bucke (1837–1902), psiquiatra canadense, que no século 19 teve uma experiência mística a que chamou de consciência cósmica, desenvolvendo toda uma teoria psicológica a respeito, abordando conceitos como elevação moral, iluminação intelectual, senso de imortalidade, perda do medo da morte e do senso de pecado. Seu famoso livro Cosmic Consciousness, publicado originalmente em 1901, teve várias edições no Brasil, entre elas Consciência Cósmica, Rio de Janeiro, Ed. Renes, 1982.

(48) Le città invisibili, Turin, Einaudi, 1972. Em inglês, Invisible Cities, tradução de William Weaver, Nova York, Harcourt Brace, 1974. No Brasil, As cidades invisíveis, tradução de Diogo Mainardi, São Paulo, Companhia das Letras, 1990; os trechos traduzidos aqui apresentados são extraídos da 13ª reimpressão (1999).

Referências Bibliográficas

CALVINO, Italo. A trilha dos ninhos de aranha, tradução de Roberta Barni, São Paulo, Companhia das Letras, 2004.

CALVINO, Italo. O visconde partido ao meio, tradução de Nilson Moulin, 2ª ed., 2005.

CALVINO, Italo. Os amores difíceis, tradução de Raquel Ramalhate, São Paulo, Companhia das Letras, 3ª reimp., 1993.

CALVINO, Italo. O cavaleiro inexistente, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 6ª reimp., 1998. 

CALVINO, Italo. As cidades invisíveis, tradução de Diogo Mainardi, SãoPaulo, Companhia das Letras, 13ª reimp., 1999. 

CALVINO, Italo. As cosmicômicas, tradução de Ivo Barroso, São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 

CALVINO, Italo. O dia de um escrutinador, tradução de Roberta Barni, Ivo Barroso, São Paulo, Companhia das Letras, 2002. 

CALVINO, Italo. O barão nas árvores, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 1991. 

CALVINO, Italo. Fábulas Italianas: coletadas na tradição popular durante os últimos cem anos e transcrita a partir de diferentes dialetos, tradução de Nilson Moulin, São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 

VIDAL, Gore. “Fabulous Calvino”. In: The New York Review of Books, vol. 21, n° 9 (30 de Maio de 1974), pp. 13-21. Ver http://www.des.emory.edu/mfp/calvino.

VIDAL, Gore. De fato e de ficção. Ensaios contra a corrente, organização de Michael Hall e Paulo Sérgio Pinheiro, tradução de Heloisa Jahn. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. [Coletânea de artigos publicados em Homage to Daniel Shays; Matters of fact and of fiction e The Second American Revolution].

Fabulous Calvino

by Gore Vidal

Between the end of the Second World War in 1945 and the beginning of the Korean War in 1950, there was a burst of creative activity throughout the American empire as well as in client states of Western Europe. From Auden's Age of Anxiety to Carson McCullers' Reflections in a Golden Eye to Paul Bowles The Sheltering Sky to Tennessee Williams's A Streetcar Named sire to Tudor's ballets and to Bernstein's enthusiasms, it was n exciting time. The cold war was no more than a nip in the air while the junior senator from Wisconsin was just another genial pol with a drinking problem and an eye for the boys. In that happy time the young American writer was able to reel in triumph through the old cities of Europe--the exchange rate entirely in his favor.

Twenty-six years ago this spring I arrived in Rome. First impressions: Acid-yellow forsythia on the Janiculum. Purple wisteria in the Forum. Chunks of goat on a plate in a trattoria. Samuel Barber at the American Academy, talking Italian accurately. Harold Acton politely deploring our barbarous presence in his Europe. Frederick Prokosch at Doney's, eating cakes. Streets empty of cars. Had there been traffic of any kind, Tennessee Williams would have been planted long since in the Protestant cemetery, for he drove a jeep although "I am practically blind in one eye," he would say proudly, going through the occasional red light, treating sidewalk and street as one.

I visited George Santayana in his hospital cell at the Convent of the Blue Nuns. He wore a dressing gown; Lord Byron collar open at the withered neck; faded mauve waistcoat. He was genial; made a virtue of his deafness. "I will talk. You will listen." A sly smile; black glittering eyes--he looked exactly like my grandmother gone dramatically bald.

"Have you met my young new friend Robert Lowell?" I said no. "He will have a difficult life. To be a Lowell. From Boston. A Catholic convert. " The black eyes shone with a lovely malice. "And a poet, too! Oh, dear. Now tell me who is a Mr. Edmund Wilson? He came to see me. I think that he must be very important. In fact, I believe he said that he was very important. You sent me a book, he said. I said that I had not. He said but you did, and got very angry. I tried to tell him that I do not send books. But later I recalled that when we were rescued by the American army -- and how glad we were to see you! –– "A fond glance at me (one still wore khakis, frayed army belt). "A major, a very forceful man, came to see me, with a number of my books. He stood over me and made me sign them . . . for this one, for that one. I was terrified and did as he requested. Perhaps one of those books was for Mr. Wilson."

The only books in Santayana's cell were his own--and a set or Toynbee's recently published history, which he was reading characteristically; that is, he first broke (or foxed) the spine of the book and undid the sections; then, as he finished reading each section, he would throw it in the wastebasket. "Some sort of preacher, I should think," he said of Toynbee. "But the footnotes are not entirely worthless."

Santayana signed a copy of The Middle Span for me; he wrote "from" before his name."I almost never do that," he said. An appraising look. "You look younger than you are because your head is somewhat small in proportion to your body." That was in 1948, when the conquering Americans lived in Rome and Paris and strolled streets as yet uncrowded with automobiles or with the billion or so human beings who have since joined us.

In that far-off time, the people one met talked about novels and novelists the way they now talk of movies and directors. Young people today think that I am exaggerating. But novelists mattered then and the Italian novel, in particular, was having a fine flowering. Yet the American writers in Rome and Paris saw little of their counterparts. For one thing, the Italians were just getting around to reading Dos Passos and Steinbeck--the generation that had gone untranslated during the Fascist era. Also, few Italian writers then (or now) spoke or read English with any ease while the American writers then (though not so much now) proudly spoke no language but English.

I do remember in 1948 coming across a book by Italo Calvino. An Italian Calvin, I said to myself, fixing permanently his name in my memory. Idly, I wondered what a man called Italo Calvino would write about. I glanced at his first novel, Il sentiero dei nidi di ragno (1947). Something about partisans in Liguria. A fellow war novelist. No, I thought; and put it down. I did note that he was two years older than I, worked for the publisher Einaudi, lived in Turin.

During the last year, I have read Calvino straight through, starting with the book I only glanced at in 1948, now translated as The Path to the Nest of Spiders. Calvino's first novel is a plainly told, exuberant sort of book. Although the writing is conventional, there is an odd intensity in the way Calvino sees things, a closeness of scrutiny much like that of William Golding. Like Golding he knows how and when to occupy entirely, with all senses functioning, landscape, state of mind, act. In The Spire Golding makes the flawed church so real that one smells the mortar, sees the motes of dust, fears for the ill-placed stones. Calvino does the same in the story of Pin, a boy living on the Ligurian coast of Italy, near San Remo (although Calvino was brought up in San Remo, he was actually born in Cuba, a detail given by none of his American publishers; no doubt in deference to our recent attempted conquest of that unfortunate island).

Pin lives with his sister, a prostitute. He spends his days at a low-life bar where he amuses with songs and taunts the grownups, a race of monsters as far as he is concerned, but he has no other companions, for "Pin is a boy who does not know how to play games, and cannot take part in the games either of children or grownups." Pin dreams, however, of "a friend, a real friend who understands him and whom he can understand, and then to him, and only to him, will he show the place where the spiders have their lairs."

It's on a stony little path which winds down to the torrent between earthy grassy slopes. There, in the grass, the spiders make their nests, in tunnels lined with dry grass. But the wonderful thing is that the nests have tiny doors, also made of dried grass, tiny round doors which can open and shut.

This sort of precise, quasi-scientific observation keeps Calvino from the sort of sentimentality that was prevalent in the forties, when wise children learned compassion from a black mammy as she deep-fried chitlins and Jesus in equal parts south of the Mason-Dixon line.

 

Pin joins the partisans in the hills above the Ligurian coast. I have a suspicion that Calvino is dreaming all this, for he writes like a bookish, near-sighted man who has mislaid his glasses: objects held close-to are vividly described but the middle and far distances of landscape and war tend to blur. It makes no difference, however, for the dreams of a near-sighted young man at the beginning of a literary career can be more real to the reader than the busy reportage of those journalist-novelists who were so entirely there and, seeing it all, saw nothing.

 

Although Calvino manages to inhabit the skin of the outraged and outrageous child, his men and women are almost always shadowy. Later in his career, Calvino will eliminate men and women altogether as he re-creates the cosmos. Meanwhile, as a beginning, he is a vivid, if occasionally clumsy, writer. Two thirds of the way through the narrative he shifts the point of view from Pin to a pair of commissars who would have been more effective had he observed them from outside. Then, confusingly, he shifts again, briefly, into the mind of a traitor who is about to be shot. Finally, he returns to Pin just as the boy finds the longed for friend, a young partisan called Cousin who takes him in hand not only literally but, presumably, for the rest of the time Pin will need to grow up. Calvino's last paragraphs are almost always jubilant--the sort of cheerful codas that only a deep pessimist about human matters could write. But then Calvino, like one of Pin's friends, Red Wolf, "belongs to the generation brought up on strip cartoons; he has taken them all seriously and life has not disproved them so far."

 

In 1952 Calvino published The Cloven Viscount, one of the three short novels he has since collected under the title Our Ancestors. They are engaging works, written in a style somewhat like that f T. H. White's Arthurian novels. The narrator of The Cloven Viscount is, again, an orphan boy. During a war between Austria and Turkey (1716) the boy's uncle Viscount Medardo was cloven from pate to crotch by a cannonball. Saved by doctors on the battlefield, the half Viscount was sent home with one leg, one arm, one eye, half a nose, mouth, etc. En route, Calvino pays homage (ironic?) to Malaparte ("The patch of plain they were crossing was covered with horses' carcasses, some supine with hooves to the sky, others prone with muzzles dug into the earth" --a nice reprise of those dead horses in The Skin).

 

The story is cheerfully, briskly told. The half Viscount is a perfect bastard and takes pleasure in murder, fire, torture. He burns down part of his own castle, hoping to incinerate his old nurse Sebastiana; finally, he packs her off to a leper colony. He tries to poison his nephew. He never stops slashing living creatures in half. He has a thing about halfness.

"If only I could halve every thing like this," said my uncle, lying face down on the rocks, stroking the convulsive half of an octopus, "so that everyone could escape from his obtuse and ignorant wholeness. I was whole and all things were natural and confused to me, stupid as the air; I thought I was seeing all and it was only the outside rind. If you ever become a half of yourself, and I hope you do for your own sake, my boy, you'll understand things beyond the common intelligence of brains that are whole. You'll have lost half of yourself and of the world, but the remaining half will be a thousand times deeper and more precious."

I note that the publisher's blurb would have us believe that this is"an allegory of modern man--alienated and mutilated--this novel has profound overtones. As a parody of the Christian parables of good and evil, it is both witty and refreshing." Well, at least the book is witty and refreshing. Actually the story is less Christian than a send-up of Plato and his ideas of the whole.

 

In due course the other half of the Viscount hits town; this half is unbearably good and deeply boring. He, too, is given to celebrating halfness because "One understands the sorrow of every person and thing in the world at its own incompleteness. I was whole and did not understand...." A charming young girl named Pamela (homage to Richardson) is beloved by both halves of the Viscount; but she has serious reservations about each "Doing good together is the only way to love," intones the good half. To which the irritable girl responds, "A pity. I thought there were other ways." When the two halves are finally united, the resulting whole Viscount is the usual not very interesting human mixture. In a happy ending, he marries Pamela. But boy-narrator is not content. "Amid all this fervor of wholeness [I] felt myself growing sadder and more lacking. Sometimes one who thinks himself incomplete is merely young."

 

The Cloven Viscount is filled with many closely observed natural images like "The subsoil was so full of ants that a hand put anywhere came up all black and swarming with them." I don't know which was written first, The Cloven Viscount (1952) or "The Argentine Ant," published in Botteghe Oscure (1952), but Calvino's nightmare of an ant-infested world touched on in the novel becomes the subject of "The Argentine Ant" and I fear that I must now trot out that so often misused word "masterpiece." Or, put another way, if "The Argentine Ant" is not a masterpiece of twentieth-century prose writing, I cannot think of anything better. Certainly it is as minatory and strange as anything by Kafka. It is also hideously funny. In some forty pages Calvino gives us "the human condition," as the blurb writers would say, in spades. That is, the human condition today. Or the dilemma of modern man. Or the disrupted environment. Or nature's revenge. Or allegory of grace. Whatever . . . But a story is, finally, what it tells and no more.

 

Calvino's first sentence is rather better than God's "in beginning was the word." God (as told to Saint John) has always had a penchant for cloudy abstractions of the sort favored by American novelists, heavyweight division--unlike Calvino, who simply tells us what's what: "When we came to settle here we did not know about the ants." No nonsense about "here" or "we." Here is a place infested with ants and we are the nuclear family: father, mother, child. No names.

 

"We" have rented a house in a town "where our Uncle Augusto used to hang out. Uncle Augusto rather liked the place, though he did say, 'You should see the ants over there . . . they're not like the ones here, those ants. . . .' But we paid no attention at the time." As the local landlady Signora Mauro shows the young couple about the house they have just rented from her, she distracts their attention from the walls with a long dissertation on the gas meter. When she has gone, the baby is put to bed and the young couple take a stroll outside. Their next-door neighbor is spraying the plants in his garden with a bellows. The ants, he explains, "as if not wanting to make it sound important."

 

The young couple return to their house and find it infested with ants. The Argentine ants. The husband-narrator suddenly recalls that this country is known for them. "It comes from South America," he adds, helpfully, to his distraught wife. Finally, they go to bed without "the feeling we were starting a new life, only a sense of dragging on into a future full of new troubles."

 

The rest of the story deals with the way that the others in the valley cope with the ants. Some go in for poisons; others make fantastic contraptions to confuse or kill the insects while for twenty years the Argentine Ant Control Corporation's representative has been putting out molasses ostensibly to control (kill) the ants but many believe that this is done to feed the ants. The frantic young couple pay a call on Signora Mauro in her dim palatial drawing room. She is firm; ants do not exist in well-tended houses, but from the way she squirms in her chair it is plain that the ants are crawling about under her clothes.

 

Methodically, Calvino describes the various human responses to The Condition. There is the Christian Scientist ignoring of all evidence; the Manichaean acceptance of evil; the relentless Darwinian faith that genetic superiority will prevail. But the ants prove indestructible and the story ends with the family going down to the seaside where there are no ants; where

The water was calm, with just a slight continual change of color, blue and black, darker farthest away. I thought of the expanses of water like this, of the infinite grains of soft sand down there at the bottom of the sea where the currents leave white shells washed clean by the waves.

I don't know what this coda means. I also see no reason for it to mean. A contrast has been made between the ant-infested valley and the cool serenity of mineral and of shell beneath the sea, that other air we can no longer breathe since our ancestors chose to live upon the land.

 

In 1956 Calvino edited a volume of Italian fables, and the local critics decided that he was true heir to Grimm. Certainly the bright, deadly fairy tale attracts him and he returned to it with The Baron in the Trees (1957). Like the other two tales in the trilogy, the story is related in the first person; this time by the eponymous baron's brother. The year is 1767. The place Liguria. The Baron is Cosimo Piovasco di Rondo, who after an argument at dinner on June 15 decides to live in the trees. The response of family and friends to this decision is varied. But Cosimo is content. Later he goes in for politics; deals with Napoleon himself; becomes legend.

 

Calvino has now developed two ways of writing. One is literally fabulous. The other makes use of a dry, rather didactic style in which the detail is as precisely observed as if the author were writing a manual for the construction of a solar heating unit. Yet the premises of the "dry" stories are often quite as fantastic as those of the fairy tales.

 

"Smog" was published in 1958, a long time before the current preoccupation with man's systematic destruction of the environment. The narrator comes to a large city to take over a small magazine called Purification. The owner of the magazine, Commendatore Corda, is an important manufacturer who produces the sort of air pollution that his magazine would like to eliminate Corda has it both ways and his new editor settles in nicely. The prevailing image of the story is smog: gray dust covers everything; nothing is ever clean. The city is very like the valley of the Argentine ants but on a larger scale, for now a vast population is slowly strangling in the fumes of its industry, of the combustion engine.

 

Calvino is finely comic as he shows us the publisher instructing his editor in how to strike the right tone. "We are not utopians, mind you, we are practical men." Or, "It's a battle for an ideal." Or, "There will not be (nor has there ever been) any contradiction between an economy in free, natural expansion and the hygiene necessary to the human organism . . . between the smoke of our productive factories and the green of our incomparable natural beauty. . . ." Finally, the editorial policy is set. "We are one of the cities where the problem of air pollution is most serious, but at the same time we are the city where most is being done to counteract the situation. At the same time, you understand!" By some fifteen years, Calvino anticipated Exxon's double-talk ads on American television.

 

This is the first of Calvino's stories where a realistic affair takes place between a man and a woman--well, fairly realistic. We never know how the elegant and wealthy Claudia came to meet the narrator or what she sees in him; yet, periodically, she descends upon him, confuses him ("to embrace her, I had removed my glasses"). One day they drive out of the city. The narrator comments on the ugliness of the city and the ubiquitous smog. Claudia says that "people have lost the sense of beauty." He answers, "Beauty has to be constantly invented." They argue; he finds everything cruel. Later, he meets a proletarian who is in arms against Corda. The narrator admires the worker Omar, admires "the stubborn ones, the tough ones." But Calvino does not really engage, in Sartre's sense. He suspects that the trap we are in is too great for mere politics to spring.

 

The narrator begins to write about atomic radiation in the atmosphere; about the way the weather is changing in the world. Is there a connection? Even Corda is momentarily alarmed. But then life goes on, for is not Corda himself "the smog's master? It was he who blew it out constantly over the city," and his magazine was "born of the need to give those working to produce the smog some hope of a life that was not all smog, and yet, at the same time, to celebrate its power."

 

The story's coda resembles that of "The Argentine Ant." The narrator goes to the outskirts of the city where the women are doing laundry. The sight is cheering. "It wasn't much, but for me, seeking only images to retain in my eyes, perhaps it was enough."

 

The next year Calvino switched to his other manner. The Nonexistent Knight is the last of the Our Ancestors trilogy though it comes first chronologically, in the age of Charlemagne. Again a war is going on. We are not introduced to the narrator until page 34--Sister Theodora is a nun in a convent who has been assigned to tell this story "for the health of the soul." Unfortunately, the plot is giving her a good deal of trouble because "we nuns have few occasions to speak with soldiers. . . . Apart from religious ceremonies, triduums, novenas, gardening, harvesting, vintaging, whippings, slavery, incest, fires, hangings, invasions, sacking, rape and pestilence, we have had no experience."

 

Sister Theodora does her best with the tale of Agiluf, a knight who does not exist. What does exist is a suit of white armor from which comes the voice of Agiluf. He is a devoted knight in the service of Charlemagne who thinks him a bit much but graciously concedes, "for someone who doesn't exist, you seem in fine form." Since Agiluf has no appetites or weaknesses, he is the perfect soldier and so disliked by all. As for Agiluf, "people's bodies gave him a disagreeable feeling resembling envy, but also a stab of pride of contemptuous superiority." A young man (an older version of Pin, of the cloven Viscount's nephew) named Raimbaut joins the army to avenge his father's death. Agiluf gives him dull advice. There are battles. General observations. "What is war, after all, but this passing of more and more dented objects from hand to hand?" Then a meeting with a man who confuses himself with things outside himself. When he drinks soup, he becomes soup; thinks he is soup to be drunk in turn: "the world being nothing but a vast shapeless mass of soup in which all things dissolved."

 

Calvino now strikes a theme which will be developed in later works. The confusion between "I"/"it"; "I"/"you"; the arbitrariness of naming things, of categorizing, and of setting apart, particularly when "World conditions were still confused in the era when this book took place. It was not rare then to find names and thoughts and forms and institutions that corresponded to nothing in existence. But at the same time the world was polluted with objects and capacities and persons who lacked any name or distinguishing mark."

 

A triangle occurs. Raimbaut falls in love with a knight who proves to be a young woman, Bradamante. Unfortunately, she falls in love with Agiluf, the nonexistent knight. At this point there is rather too much plot for Sister Theodora, who strikes the professional writer's saddest note. "One starts off writing with a certain zest, but a time comes when the pen merely grates in dusty ink, and not a drop of life flows, and life is all outside, outside the window, outside oneself, and it seems that never more can one escape into a page one is writing, open out another world, leap the gap."

 

But the teller finally gets a grip on the tale; closes the gap. Knightly quests are conducted, concluded. Agiluf surrenders his armor and ceases to be; Raimbaut is allowed to inhabit the armor. Bradamante has vanished, but with a fine coup de theatre Sister Theodora reveals to us that she is Bradamante, who is now rushing the narrative to its end so that she can take the beloved white armor in her arms: aware that it now contains the young and passionate Raimbaut, her true love. "That is why my pen at a certain point began running on so. I rush to meet him. . . . A page is good only when we turn it and find life urging along."

 

With the completion of the trilogy, Calvino took to his other manner and wrote "The Watcher," the most realistic of his stories and the most overtly political. The narrator has a name, Amerigo Ormea. He is a poll watcher in Turin for the Communist party during the national election of 1953. Amerigo's poll is inside the vast "Cottolengo Hospital for Incurables." Apparently the mad and the senile and even the comatose are allowed to vote ("hospitals, asylums and convents had served as great reservoirs of votes for the Christian Democrat party"). Amerigo is a serene observer of democracy's confusions, having "learned that change, in politics, comes through long and complex processes"; he also confesses that "acquiring experience had meant becoming slightly pessimistic."

 

In the course of the day, Amerigo observes with fine dispassion the priests and nuns as they herd their charges into the polling booths that have been set up inside the hospital. Despite the grotesqueries of the situation, Amerigo takes some pleasure in the matter-of-factness of the voting, for "in Italy, which had always bowed and scraped before every form of pomp, display, sumptuousness, ornament, this seemed to him finally the lesson of an honest, austere morality, and a perpetual, silent revenge on the Fascists . . .; now they had fallen into dust with all their gold fringe and their ribbons, while democracy, with its stark ceremony of pieces of paper folded over like telegrams, of pencils given to callused or shaky hands, went ahead."

 

But for the watcher boredom eventually sets in: it is a long day "Amerigo felt a yearning need for beauty, which became focused in the thought of his mistress Lia." He contemplates Lia in reverie. "What is this need of ours for beauty? Amerigo asks himself." Apparently Calvino has not advanced much beyond the last dialogue in "Smog." He contemplates the perfection of classical Greece but recalls that the Greeks destroyed deformed children, redundant girls. Obviously placing beauty too high in the scale of values is "a step toward an inhuman civilization, which will then sentence the deformed to be thrown off a cliff."

 

When another poll watcher remarks to Amerigo that the mad all must recognize one another in Cottolengo, he slips into reverie: "They would remember that humanity could be a different thing, as in fables, a world of giants, an Olympus. . . . As we do: and perhaps, without realizing it, we are deformed, backward, compared to a different, forgotten form of existence. . . ." What is human, what is real?

 

Calvino's vision is usually presented in fantastic terms but now he becomes unusually concrete. Since he has elected to illuminate an actual time and place (Italy between 1945 and the election of (1953), he is able to spell it out. "In those years the Italian Communist party, among its many other tasks, had also assumed the position of an ideal liberal party, which had never really existed. And so the bosom of each individual communist could house two personalities at once: an intransigent revolutionary and an Olympian liberal." Amerigo's pessimism derives from the obvious fact that the two do not go together. I am reminded of Alexander Herzen's comment about the Latins: they do not want liberty, they want to sue for liberty.

 

Amerigo goes home to lunch (he has a maid who cooks and serves! Written in 1963 about the events of 1953, this is plainly a historical novel). He looks for a book to read. "Pure literature" is out. "Personal literature now seemed to him a row of tombstones in a cemetery; the literature of the living as well as of the dead. Now he sought something else from books: the wisdom of the ages or simply something that helped to understand something." He takes a stab at Marx's Youthful Writings. "Man's universality appears, practically speaking, in that same universe that makes all nature man's inorganic body. . . . Nature is man's inorganic body precisely because it is not his human body." Thus genius turns everything into itself. As Marx invented Kapital from capitalism, so Calvino turns a passage of Marx into Calvino himself: the man who drinks soup is the soup that drinks him. Wholeness is all.

 

Fortified with this reassuring text, Amerigo endures a telephone conversation with Lia. It is the usual quibbling conversation between Calvino protagonist and Calvino mistress. She tells him that she is pregnant. "Amerigo was an ardent supporter of birth control, even though his party's attitude on the subject was either agnostic or hostile. Nothing shocked him so much as the ease with which people multiply, and the more hungry and backward, the more they keep having children...." In the land of Margaret Sanger this point of view is not exactly startling, but for an Italian communist a dozen years ago, the sense of a world dying of too many children, of too much "smog" was a monstrous revelation. At this point, Amerigo rounds on both the Bible and Marx as demented celebrators of human fecundity.

 

Amerigo returns to the hospital; observes children shaped like fish and again wonders at what point is a human being human. Finally the day ends; the voting is done. Amerigo looks out over the complex of hospital buildings and notes that the reddish sun appeared to open "perspectives of a city that had never been seen." Thus the Calvino coda strikes its first familiar chord. Laughing women cross the courtyard with a cauldron, "perhaps the evening soup. Even the ultimate city of imperfection has its perfect hour, the watcher thought, the hour, the moment, when every city is the City."

 

Most realistic and specific of Calvino's works, "The Watcher" has proved (to date) to be the last of the "dry" narratives. In 1965, Calvino published Cosmicomics: twelve brief stories dealing in a fantastic way with the creation of the universe, man, society. Like 'in's young friend who decided that life indeed resembles the trip cartoon, Calvino has deployed his complex prose in order o compose in words a super strip cartoon narrated by Qfwfq whose progress from life inside the first atom to mollusk on the earth's sea floor to social-climbing amphibian to dinosaur to noon- farmer is told in a dozen episodes that are entirely unlike anything that anyone else has written since, well, let us say Lucian.

 

"At Daybreak" is the story of the creation of the universe as viewed by Qfwfq and his mysterious tribe consisting of a father, mother, sister, brother, Granny, as well as acquaintances--formless sentiencies who inhabit the universal dust that is in the verge of becoming the nebula which will contain our solar system. Where and who they are is, literally, obscure, since light has not yet been invented. So "there was nothing to do but wait, keep covered as best we could, doze, speak out now and then to make sure we were all still there; and, naturally, scratch ourselves; because--they can say what they like--all those particles spinning around had only one effect, a troublesome itching." That itch starts to change things. Condensation begins. Also, confusing: Granny loses her cushion, "a little ellipsoid of galactic matter." Things clot; nickel is formed; members of the tribe start flying off in all directions. Suddenly the condensation is complete, and light breaks. The sun is now in its place and the planets begin their orbits "and, above all, it was deathly hot."

 

As the earth starts to jell, Qfwfq's sister takes fright and vanishes inside the planet and is not heard from again "until I met her, much later, at Canberra in 1912, married to a certain Sullivan, a retired railroad man, so changed I hardly recognized her."

 

The early Calvino was much like his peers Pavese and Vittorini -- writers who tended to reflect the realistic storytelling of Hemingway and Dos Passos. Then Calvino moved to Paris, where found his own voice or voices and became, to a degree, infected by the French. Since the writing of Our Ancestors and the three stories that make up The Watcher, Calvino has been influenced, variously, by Barthes and the semiologists, by Borges and by the now old New Novel. In Cosmicomics these influences are generally benign, since Calvino is too formidable and original an artist to be derailed by theoreticians or undone by the example of another creator. Nevertheless the story "A Sign in Space" comes perilously close to being altogether too reverent an obeisance to semiology.

 

As the sun takes two hundred million years to revolve around the galaxy, Qfwfq becomes obsessed with making a sign in space, something peculiarly his own to mark his passage as well as something that would impress anyone who might be watching. His ambition is the result of a desire to think because "to think something had never been possible, first because there were no things to think about, and second because signs to think of them by were lacking, but from the moment there was that sign, it was possible for someone thinking to think of a sign, and therefore that one, in the sense that the sign was the thing you could think about and also the sign of the thing thought, namely, itself. "So he makes his sign ("I felt I was going forth to conquer the only thing that mattered to me, sign and dominion and name."

 

Unfortunately, a spiteful contemporary named Kgwgk erases Qfwfq's sign and replaces it with his own. In a rage, Qfwfq wants "to make a new sign in space, a real sign that would make Kgwgk die of envy." So, out of competitiveness, art is born. But the task of sign-making is becoming more difficult because the world "was beginning to produce an image of itself, and in everything a form was beginning to correspond to a function" (a theme from The Nonexistent Knight) and "in this new sign of mine you could perceive influence of our new way of looking at things, call it style if you like".

 

Qfwfq is delighted with his new sign but as time passes he likes it less and less, thinks it is a bit pretentious, old-fashioned; decides he must erase it before his rival sees it (so writers revise old books or make new ones that obliterate earlier works -- yes, call it style if you like). Finally, Qfwfq erases the inadequate sign. For a time he is pleased that there is nothing in space which might make him look idiotic to a rival-- in this, he resembles so many would-be writers who contrive to vanish into universities and, each year, by not publishing that novel or poem, increase their reputations.

 

But doing nothing is, finally, abhorrent to the real artist: Qfwfq starts to amuse himself by making false signs, "to annoy Kgwgk . . . notches in space, holes, stains, little tricks that only an incompetent creature like Kgwgk could mistake for signs." So the artist masochistically mocks his own art, shatters form (the sign) itself, makes jokes to confuse and exploit 57th Street. But then things get out of hand. To Qwfq's horror, every time he passes what he thinks was one of his false signs, there are a dozen other signs, all scribbled over his.

 

Finally, everything was now so obscured by a crisscross of meaningless signs that "world and space seemed the mirror of each other, both minutely adorned with hieroglyphics and ideograms "including the badly inked tail of the letter R in an evening newspaper joined to a thready imperfection in the paper, one among the eight hundred thousand flakings of a tarred wall in the Melbourne docks . . . . In the universe now there was no longer a container and a thing contained, but only a general thickness of signs superimposed and coagulated."

 

Qfwfq gives up. There is no longer a point of reference "because it was clear that, independent of signs, space didn't exist and perhaps had never existed." So the story concludes; and the rest is the solipsism of art. To the old debate about being and non-being, Calvino adds his own vision of the multiplicity of signs which obliterates all meaning. Too many names for a thing is like no name for a thing; therefore, no thing, nothing.

 

"How Much Shall We Bet?" continues the theme. At the beginning Qfwfq "bet that there was going to be a universe, and I hit the nail on the head." This was the first bet he won with Dean (k)yK. Through the ages the two continue to make bets and Qfwfq usually wins because "I bet on the possibility of a certain event's taking place, whereas the Dean almost always bet against it."

 

Qfwfq kept on winning until he began to take wild leaps into the future. "On February 28, 1926, at Santhia, in the Province of Vercelli -- got that? At number 18 in Via Garibaldi -- you follow me? Signorina Giuseppina Pensotti, aged twenty-two, leaves her home at quarter to six in the afternoon; does she turn right or left?" Qfwfq starts losing. Then they begin to bet about characters in unwritten novels . . . will Balzac make Lucien de Rubempre kill himself at the end of Les illusions perdues? The Dean wins that one.

 

The two bettors end up in charge of vast research foundations which contain innumerable reference libraries. Finally, like man's universe itself, they begin to drown in signs and Qfwfq looks back nostalgically to the beginning, "How beautiful it was then, through that void, to draw lines and parabolas, pick out the precise point, the intersection between space and time when the event would spring forth, undeniable in the prominence of its glow; whereas now events come flowing down without interruption, like cement being poured, one column next to the other . . . a doughy mass of events without form or direction, which surrounds, submerges, crushes all reasoning."

 

In another story the last of the dinosaurs turns out to be Qfwfq, who meets and moves in with the next race. The New Ones don't realize that he is one of their dread enemies from the past. They think him remarkably ugly but not unduly alien. Qfwfq's attitude is like that of the protagonist in William Golding's The Inheritors except that in Calvino's version the last of the Old Ones merges with the inheritors. Amused, Qfwfq listens to the monstrous, conflicting legends about his race, tribute to the power of man's imagination, to the words he uses, to the signs he recognizes. Finally, "I knew that the more the Dinosaurs disappear, the more they extend their dominion, and over forests far more vast than those that cover the continents: in the labyrinth of the survivors' thoughts." But Qfwfq was not at all sentimental about being the last dinosaur and at the story's end he left the New Ones and "travelled through valleys and plains. I came to a station, caught the first train, and was lost in the crowd."

 

In "The Spiral," the last of the Cosmicomics, Qfwfq is a mollusk on a rock in the primeval sea. The theme is again in ovo omnes. Calvino describes with minuteness the sensations of the mollusk on the rock, "damp and happy . . . . I was what they call a narcissist to a slight extent; I mean I stayed there observing myself all the time, I saw all my good points and all my defects, and I liked myself for the former and for the latter; I had no terms of comparison, you must remember that, too." Such was Eden. But then the heat of the sun started altering things; there were vibrations from another sex; there were eggs to be fertilized: love.

 

In response to the new things, Qfwfq expresses himself by making a shell which turns out to be a spiral that is not only very good for defense but unusually beautiful. Yet Qfwfq takes no credit for the beauty: "My shell made itself, without my taking any special pains to have it come out one way rather than another." But then the instinctive artist in the mollusk asserts itself: This doesn't mean that I was absent-minded during that time; I applied myself instead, to the act of secreting". Meanwhile, she, the beloved, is making her shell, identical with his.

 

Ages pass. The shell-Qfwfq is on a railroad embankment as a train passes by. A party of Dutch girls looks out the window. Qfwfq is not startled by anything, for "I feel as if, in making the shell, I had also made the rest." But one new element has entered the equation. "I had failed to foresee one thing: the eyes that finally opened to see us didn't belong to us but to others." So dies Narcissus. "They developed eyes at our expense. So sight, our sight, which we were obscurely waiting for, was the sight that the others had of us."

 

But the artist who made the spiral-shaped shell is not to be outdone by miscalculation or by fate. Proudly he concludes: "All these eyes were mine. I had made them possible; I had had the active part; I furnished them the raw material, the image." Again the gallant coda, for fixed in the watcher's eye is not only the fact of the beautiful shell that he made but also "the most faithful image of her" who had inspired the shell and was the shell: thus male and female are at last united in the retina of a stranger's eye.

 

In 1967, Calvino published more of Qfwfq's adventures in Time and the Hunter. For the most part they are engaging cartoons, but one is disconcerted to encounter altogether too many bits of Sarraute, of Robbe-Grillet, of Borges (far too much of Borges) incorporated in the prose of what I have come to regard as a true modern master. On page 6 occurs "viscous"; on page II "acid mucus." I started to feel queasy: these are Sarraute words. I decided that their use was simply a matter of coincidence. But when, on page 29, I saw the dread word "magma" I knew that Calvino has been too long in Paris, for only Sarrautistes use "magma," a word the great theoretician of the old New Novel so arbitrarily and uniquely appropriated from the discipline of science. Elsewhere in the stories, Robbe-Grillet's technique of recording the minutiae of a banal situation stops cold some of Calvino's best effects.

 

"The Chase," in fact, could have been written by Robbe-Grillet. This is not a compliment. Take the beginning:

That car chasing me is faster than mine; inside there is one man, alone, armed with a pistol, a good shot . . . We have stopped at a traffic signal, in a long column. The signal is regulated in such a way that on our side the red light lasts a hundred and eighty seconds and the green light a hundred and twenty, no doubt based on the premise that the perpendicular traffic is heavier and slower. And so on for sixteen pages, like a movie in slow motion.

The theory behind this sort of enervating prose is as follows, since to write is to describe, with words, why not then describe words themselves (with other words)? Or, glory be! words describing words describing an action of no importance (the corner of that room in Robbe-Grillet's Jalousie). This sort of "experiment" has always seemed to me to be of more use to students of language than to readers of writing. On his own and at his best, Calvino does what very few writers can do: he describes imaginary worlds with the most extraordinary precision and beauty (a word he has single-handedly removed from that sphere of suspicion which the old New Novelists maintain surrounds all words and any narrative).

 

In Cosmicomics Calvino makes it possible for the reader to inhabit a meson, a mollusk, a dinosaur; makes him for the first time see light ending a dark universe. Since this is a unique gift, I find all the more alarming the "literariness" of Time and the Hunter. I was particularly put off by the central story "t zero," which could have been written (and rather better) by Borges.

 

With a bow and arrow, Qfwfq confronts a charging lion. In his head he makes an equation: Time zero is where he Qfwfq is; where the Lion-o is. All combinations of a series which may be finite or infinite pass through Qo's head, exactly like the man before the firing squad in Borges's celebrated story. Now it is possible that these stories will appeal to minds more convergent an mine (students of mathematics, engineers, Young Republicans are supposed to think convergently while novelists, gourmets, and non-Christian humanists think divergently) but to me this pseudo-scientific rendering of a series of possibilities is deeply boring.

 

But there are also pleasures in this collection. Particularly "The Origin of the Birds." "Now these stories can be told better with strip drawings than with a story composed of sentences one after the other." So the crafty Calvino by placing one sentence after another describes a strip cartoon and the effect is charming even though Qfwfq's adventure among the birds is not really a strip cartoon but the description of a cartoon in words.

 

The narrator's technique is like that of The Nonexistent Knight. He starts to draw a scene; then erases it the way Sister Theodora used to eliminate oceans and forests as she hurried her lovers to their inevitable rendezvous. Calvino also comes as close as any writer can to saying that which is sensed about creation but may not be put into words or drawn in pictures.

 

"I managed to embrace in a single thought the world of things as they were and of things as they could have been, and I realized that a single system included all." In the arms of Or, the queen of the birds, Qfwfq begins to see that "the world is single and what exists can't be explained without . . ." But he has gone too far. As he is about to say the unsayable, Or tries to smother him. But he is still able to blurt out, "There's no difference. Monsters and non-monsters have always been close to one another! What hasn't been continues to be. . . ." At that point, the birds expel him from their paradise; and like a dreamer rudely awakened, he forgets his vision of unity. "(The last strip is all photographs: a bird, the same bird in close-up, the head of the bird enlarged a detail of the head, the eye. . . .)" It is the same eye that occurs at the end of Cosmicomics, the eye of -- cosmic consciousness for those who recall that guru of a past generation, Dr. Richard M. Bucke.

 

Calvino ends these tales with his own The Count of Monte Cristo. The problem he sets himself is how to get out of Chateau d'If. Faria keeps making plans and tunneling his way through an endless, exitless fortress. Dantes, on the other hand, broods on the nature of the fortress as well as on the various drafts of the novel that Dumas is writing. In some drafts, Dantes will escape and find a treasure and get revenge on his enemies. In other drafts, he suffers a different fate. The narrator contemplates the possibilities of escape by considering the way a fortress (or a work of art) is made. "To plan a book -- or an escape -- the first thing to know is what to exclude." This particular story is Borges at his very best and, taking into account the essential unity of the multiplicity of all things, one cannot rule out that Calvino's version of The Count of Monte Cristo by Alexandre Dumas is indeed the finest achievement of Jorge Luis Borges as imagined by Italo Calvino.

 

Calvino's seventh and latest novel (or work or meditation or poem), Invisible Cities, is perhaps his most beautiful work. In a garden sit the aged Kublai Khan and the young Marco Polo -- Tartar emperor and Venetian traveler. The mood is sunset. Prospero is holding up for the last time his magic wand: Kublai Khan has sensed the end of his empire, of his cities, of himself.

 

Marco Polo, however, diverts the emperor with tales of cities that he has seen within the empire and Kublai Khan listens, searches for a pattern in Marco Polo's Cities and memory, Cities and desire, Cities and signs, Thin Cities, Trading Cities, Cities and eyes, Cities and names, Cities and the dead, Cities and the sky, Continuous Cities, Hidden Cities. The emperor soon determines that each of these fantastic places is really the same place.

 

Marco Polo agrees: "'Memory's images, once they are fixed in words, are erased,' Polo said." (So does Borges, repeatedly!) "'Perhaps I am afraid of losing Venice all at once, if I speak of it, or perhaps, speaking of other cities, I have already lost it, little by little.'" Again the theme of multiplicity and wholeness, "when every city," as Calvino wrote at the end of "The Watcher," "is the City."

 

Of all tasks, describing the contents of a book is the most difficult and in the case of a marvelous creation like Invisible Cities, perfectly irrelevant. I shall spare myself the labor; noting, however, that something new and wise has begun to enter the Calvino canon. The artist seems to have made a peace with the tension between man's idea of the many and of the one. He could now, if he wanted, stop.

 

Yet Calvino is obliged to go on writing just as his Marco Polo goes on traveling because

he cannot stop; he must go on to another city, where another of his pasts awaits him, or something perhaps that had been a possible future of his and is now someone else's present. Futures not achieved are only branches of the past: dead branches.
"Journeys to relive your past?" was the Khan's question at this point, a question which could also have been formulated: "Journeys to recover your future?" And Marco's answer was: "Elsewhere is a negative mirror. The traveler recognizes the little that is his, discovering the much he has not had and will never have."

Later, after more descriptions of his cities, Kublai Khan decides that "the empire is nothing but a zodiac of the mind's phantasms."

"On the day when I know all the emblems," he asked Marco, "shall I be able to possess my empire, at last?" And the Venetian answered, "Sire, do not believe it. On that day you will be an emblem among emblems."

Finally, Kublai Khan recognizes that all cities are tending toward the concentric circles of Dante's hell.

He said: "It is all useless, if the last landing place can only be the infernal city, and it is there that, in ever-narrowing circles, the current is drawing us." And Polo said: "The inferno of the living is not something that will be; if there is one, it is what is already here, the inferno where we live every day, that we form by being together. There are two ways to escape suffering it. The first is easy for many: accept the inferno and become such a part of it that you can no longer see it. The second is risky and demands constant vigilance and apprehension; seek and learn to recognize who and what, in the midst of the inferno, are not inferno, then make them endure, give them space."

During the last quarter century Italo Calvino has advanced far beyond his American and English contemporaries. As they continue to look for the place where the spiders make their nests, Calvino has not only found that special place but learned how himself to make fantastic webs of prose to which all things adhere. In fact, reading Calvino, I had the unnerving sense that I was also writing what he had written; thus does his art prove his case as writer and reader become one, or One.

 

**I have not read La speculazione edilizia (1957). From the description of it in Dizionario della letteratura italiana contemporanea, it is a general indictment of Italy's postwar building boom and of the helplessness of the intellectual Quinto Anfossi to come to terms with "cement fever."

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