Começamos
com
uma observação
de Antonio Candido. Escreveu ele
que
sempre
lhe
intrigou o fato
de a literatura
de um
país
novo
como
o Brasil ter
produzido a maior
parte
de suas
obras
de qualidade
no tema
da decadência
(social,
familiar,
pessoal),
e isso
notoriamente no século
XX.(1) Graciliano Ramos,
José Lins do Rego,
Érico Veríssimo, Ciro dos Anjos,
Lúcio Cardoso, Nelson Rodrigues, Jorge Andrade, Manuel Bandeira,
Carlos Drummond de Andrade são
escritores
lembrados pelo
crítico
como
exemplares
dessa vertente
temática,
a que
souberam explorar
com
êxito.
Pois
bem,
vindo a nossos
dias,
cumpriria incluir
nesse rol
o romancista
sergipano
Francisco José Costa
Dantas, que
reata
com
a tradição
dita
“regionalista” para
agora
revigorá-la seja no que
toca
à experimentação da linguagem
seja quanto
à atualização referente
à história
recente
do país.(2)
Dantas
faz da rememoração o procedimento central
que
dá vida
às suas
personagens
e as anima a contar
a trajetória
de seus
percalços,
de resto
indissociável
da história
de seus
antepassados
e do contexto
sociocultural do patriarcalismo
nordestino. É assim
em
seu
primeiro
romance,
não
por
acaso
intitulado Coivara
da Memória;
já
no segundo,
Os Desvalidos,
o páthos rememorante é menor,
embora
permaneça como
um
motor
importante
da escrita;
enfim,
nesta Cartilha
do Silêncio,
objeto
de nossa
atenção,
a memória
volta
a ser
o dispositivo
matriz
que
deflagra o relato e lhe
dá contorno
e consistência.(3)
Madrugada
de 1915 e dona
Senhora
arruma os trastes
de sua
casa
em
Aracaju, posto
que
deverá fazer
uma viagem
para
Palmeira
dos Índios,
Alagoas, onde
visitará o pai
adoentado.
O deslocamento
lhe
é deveras
penoso.
A fogosa
esposa
de Romeu Barroso abandonará temporariamente o lar,
reduto
privilegiadíssimo da memória:
“A tais
aporrinhações, se ajunta o apego
de dona
Senhora
a esta casa
a que
está bem
habituada: são
lembranças,
queixumes,
segredinhos e tudo
mais
que
comporta
e que
lhe
dá sentido
à vida,
vindo primeiro
a cama
guarnecida de dossel,
a rede
do cochilinho”.(4) Pode-se
discernir
em
Cartilha
do Silêncio
duas dimensões
da memória,
uma individual
e outra
coletiva,
propriamente social.
Evidentemente,
as linhas
de ambas se cruzam e se interpenetram (o que
à primeira
vista
pode aparecer
como
resultado
“puro”
da subjetividade na verdade
é um
conteúdo
modelado pelos
valores
esposados pela
comunidade);
ainda
assim,
prevalece um
nítido
corte
a separar
as duas memórias,
patente
nas funções
diversas que
exercem na caracterização
das personagens
e na economia
do texto.
Deixando de lado
a memória
coletiva,
de que
trataremos pouco
adiante,
vemos que
a rememoração individual
das personagens-narradores é o processo
simbólico de que
se valem para
conferirem sentido
à experiência
e alcançarem (o que
não
é menos
importante)
consolo
perante
as dificuldades
da hora
presente.
Dona
Senhora,
por
exemplo,
esforça-se voluntariamente para
trazer
à tona
suas
lembranças
(“os rumorejos
dos momentos
inolvidáveis”)
para
escapar
às agruras
do presente:
“Carece dessas lembranças
para
compensar
o buraco
vazio
que
é a vida.
Pois
é. Tem horas
que
se sente arruinada...” Seu
filho,
Cassiano Barroso, segue a trilha
da mãe,
também
fazendo da memória
máquina
de significação e consolo:
“... amiúde
quebrando a cabeça
para
trazer
à baila
os lanços
que
o esquecimento
teima
em
esconder
– como
se parasse no último
refúgio
suportável”. E Mané
Piaba,
o agregado
desde
menino
explorado pela
família
Barroso, quando
já
velho
faz da “recomposição
dos velhos
idos
o escoadouro
por
onde
respira”.(5)
O
“avôo da memória”
(a expressão
é do narrador em
terceira
pessoa,
que
compartilha espaço
com
as vozes
em
primeira
pessoa
das personagens)
recompõe a saga
da família,
cuja
trajetória
socioeconômica
é francamente
descendente.
Daí, em
grande
medida,
o caráter
compensatório
dos atos
de rememoração. Dantas é mestre
nessas artes
de exumação
do passado,
o que
rende passagens
de grande
beleza,
a exemplo
do entrelaçamento
de diferentes
tempos
na mente
de Cassiano Barroso, que
se lembra de um
passeio
a cavalo
com
seu
filho
Remígio, quando
esse
ainda
era
menino
e, dir-se-ia que
quase
concomitantemente,
lembra-se também
de seu
próprio
pai,
Romeu Barroso, que
de repente
lhe
parece “saltar
de uma loca do tempo”
para
ensinar
a ele,
Cassiano menino,
a montar
a cavalo...(6)
Outra
passagem,
que
bem
vale
menção,
diz da capacidade
da memória
de penetrar
os fatos
passados
e (re)descobri-los, emprestando-lhes novas
ou
até
então
insuspeitadas significações: “Fatos
que
pareciam extintos,
se carregam de um
novo
sentido,
se prestam a conotações
que
tinham ficado inaparentes para
os olhos,
esquecidos pela
mente”.(7)
As
lembranças
individuais
das personagens
por
fim
compõem um
coro
mais
vasto
que
se referem, para
além
das idiossincrasias,
a uma época
e a uma identidade
social
específicas. O desenvolvimento
do entrecho, que
se “movimenta”
vagarosamente
via
a acumulação
de dados
rememorados pelos
membros
da família,
mais
o agregado
Piaba,
configura uma estratégia
narrativa
de salvaguarda
dos sentimentos
de pertencimento ao clã
Barroso e à época
de seu
fastígio.
As memórias
individuais
transformam-se paulatinamente
em
memória
coletiva,
com
o que
muda
também
o seu
modo
de funcionamento:
ultrapassando a dimensão
compensatória,
a memória
articula agora
um
“trabalho
de enquadramento”, que
visa
a delimitar
as fronteiras
sociais
do grupo
familiar
e de sua
tradição.(8)
Quer
nos
parecer
que,
nesse passo,
Francisco Dantas articula uma crítica
ao egocentrismo,
se cabe a palavra,
familiar;
enfim,
ao pequeno
mundo
patriarcal
que
se pretende bastar
por
si
mesmo,
desmantelando-o ao abri-lo às vicissitudes
dos novos
tempos.
De fato,
o romance
desdobra um
arco
de 59 anos
(de 1915, madrugada
em
que
dona
Senhora
arruma a casa
para
viajar,
à noite
de 1974, na qual
Cassiano Barroso, com
73 anos,
passa
a limpo
o seu
passado),
intervalo
de tempo
em
que
se desenvolve a história
da família.
Ocorre que
do cruzamento
das vozes
rememorantes emergem contradições
insolúveis
entre
elas,
bem
como
que
da contextualização da história
familiar
na história
nacional
surgem outras tantas, que
ajudam a compreender
a decadência
de um
certo
modo
de vida
e de práxis
social.
Procuremos agora
aprofundar
um
pouco
esses
dois
pontos
em
torno
dos quais
o sentido
crítico
do romance
se estrutura.
No que
toca
às contradições
das vozes
sobreleva, sem
dúvida,
o conflito
entre
patrões
e empregados.
Mas
mesmo
entre
os abastados
sobram arestas,
bastando lembrar
aqui
o choque
entre
a figura
expansiva
e muito
sensual
de dona
Senhora
e as Barroso, as mulheres
da família
do marido
que
se pautavam “nuns modos
austeros,
na palavra
recolhida, numa esfumaçada linhagem
que
ainda
precisa
se conferir”.(9)
A existência
regida pela
paixão
se bate aí
com
a “garbosa
tradição”
da família
patriarcal,
sem
solução
possível
no horizonte.
São
contradições
internas ao grupo
que
acabam por
minar
os valores
estabelecidos.
Entre
proprietários
e empregados
o conflito
tem estatuto
de tragédia
social.
São
duas instâncias
que
a bem
da verdade
não
se comunicam propriamente, cabendo tão-somente ao leitor
estabelecer
vias
de aproximação,
amparado na estrutura
dialógica
do romance.
Para
o lado
proprietário,
o exercício
do mando
é de tal
forma
“natural”,
que
se mostra
inquestionável
sob
qualquer
ponto
de vista
externo
à economia
familiar.
Assim,
Cassiano Barroso se lembra de sua
falecida mulher,
de nome
Arcanja,
gabando-lhe entre
outras habilidades
a de trazer
“à rédea
curta
os empregados”
e manter
dessa maneira
a casa
em
perfeita
ordem:
“... fiscalizar
o serviço,
fazendo cair
em
bicas
o suor
dos empregados”.(10)
Mané
Piaba
é o representante dos desfavorecidos, uma voz
calibrada pelos
sentimentos
de insegurança
e submissão
de quem
aprendeu a ser
comandado, a contragosto.
Remígio, filho
de Cassiano, bem
“compreende o rancor
latejante de Piaba,
a sua
perene
hesitação.
Tem pena
do tipinho, atolado na miséria
arraigada, desde
ainda
meninote servindo a sua
família
– e ainda
um
pé
rapado!” Pena
que
não
impede ao neto
de dona
Senhora,
todavia,
de lançar
lama
no velho
Piaba,
fazendo os pneus
de sua
camioneta patinarem no barro
“numa brincadeira
de mau
gosto,
de patrão
para
subalterno”.(11)
Cassiano Barroso, o pai,
vê
Piaba
como
um
“sujeitinho sem
ação”,
dissimulado, cuja
pobreza
e fedentina
se devem exclusivamente
a suas
próprias características
morais
duvidosas... E Mané
Piaba,
por
sua
vez,
tem medo
de Cassiano, devota-lhe uma “antipatia,
um
rancor
oleoso,
de pessoa
agravada”;
no trato
com
o patrão
se sente tal
como
um
“inseto
aniquilado”. Não
obstante,
aqui
e acolá
relampejam no cérebro
de Piaba
pensamentos
de índole
revolucionária
– “só
mesmo
uma guerra
de cacete
mode o pobre
melhorar”-
que
são
logo
abafados
por
ele
mesmo,
que,
a exemplo
de Fabiano de Vidas
Secas,
julga ser
o governo
um
desígnio
inapelável
– “Encolhe essa língua,
Manué; espie direito
que
podia ser
pior!
Não
acorde
a ira
de Deus”.(12)
O
outro
ponto
de articulação
crítica
do romance
está na contextualização da história
familiar
em
relação
às transformações históricas do país,
mais
precisamente
de seu
processo
de modernização econômica.
Encontram-se no texto
indicações
claras
nessa perspectiva,
tais
como
a ferrovia
de Esplanada
a Propriá referida por
dona
Senhora,
que
viria a facilitar
a viagem
de Sergipe a Alagoas, o avião
e “tantas inventivas
novas
e modernas” lembradas a certa
altura
por
Arcanja,
a camioneta do patrãozinho rural
etc.. E há os novos
valores
e costumes
que
vêm na esteira
das mudanças estruturais do país
e que
bem
ou
mal
vão
sendo assimilados pelos
Barroso.
Cassiano é a figura-chave para
a qual
confluem as idéias
do Brasil moderno
e que
irão se chocar,
no caso,
com
o que
ele
próprio
denomina “os costumes
respeitados da família”.
A bem
da verdade,
Francisco Dantas irá explorar
através
de Cassiano Barroso o problema
da modernização conservadora ou,
para
sermos mais
precisos,
irá enfrentar,
nos
termos
da sua
ficção,
a dificuldade
de se alcançar
neste país
uma modernização efetiva
que
logre incorporar
as camadas
marginalizadas da população
brasileira.(13)
As contradições
do projeto
de nossa
modernização (lembrando-se que
no romance
há referência
explícita
ao golpe
de 1964, vale
também
dizer,
à modernização à direita
aí
iniciada)
ganham forma
concreta
nas contradições
do próprio
Cassiano, dividido entre
uma cultura
citadina,
da qual
conhece o verniz,
e a cultura
do meio
rural,
onde
se sente um
“monarca”
incompreendido
pelos
súditos...
Após
a morte
dos pais,
Cassiano é enviado
ainda
muito
jovem
ao Rio
de Janeiro,
medida
tomada
pela
parentela mais
próxima,
que
age a pretexto
de sua
educação,
mas
que
na verdade
intenta
simplesmente
livrar-se do herdeiro
inoportuno.
Ora,
no Rio,
Cassiano vivia e se sentia como...
“um
autêntico
europeu”.
De volta
a Sergipe, traz na bagagem
um
estofo
cultural da ordem
do ornamento:
“Então
se contentou com
o verniz
dado
pelas revistas
ilustradas com
arabescos
e vinhetas,
manuais
práticos,
enciclopédias,
anedotários,
trechos
esparsos
de Montaigne, Nietzsche, por
jornais
e almanaques.
É caído
por
sentenças
curtas e espirituosas dos livros
de duvidosa
divulgação
filosófica. Como
não
tem tutano
para
um
entendimento
geral,
se asila
nos
pensamentos
isolados a ponto
de copiá-los, como
se pudessem lhe
fornecer
algum
auxílio,
empregando-os nas necessidades
do cotidiano”.(14)
Some-se ao apego
às frase
de efeito
o gosto
por
charutos,
luvas,
bons
vinhos,
objetos
finos
de decoração etc. e se terá uma visão
completa
daquilo que
Cassiano tem por
norma
de conduta
civilizada.
Escusado dizer
que
a cultura
“citadina”
de Cassiano de nada
vale
em
seu
meio
de origem.
Inábil
na condução
dos negócios,
dilapida em
quinquilharias
o dinheiro
já
escasso
da família,
o que
lhe
rende na boca
da gente
miúda
de suas
terras
as alcunhas
de “bocó”,
“parasita”,
“ricaço
sem
dinheiro”...
Sentindo-se incompreendido
por
todos,
inclusive
pelo
filho
Remígio, que
debica de seus
“luxos”,
Cassiano toma
a decisão
de se “enfeudar”
em
seu
castelo
e de “se fazer
de surdo”.
Dividido entre
os valores
da tradição
patriarcal
e os valores
da cultura
ornamental,
de extração
urbana,
Cassiano é incapaz
de sustentar
um
projeto
de vida
e de reprodução
material
coerente,
o que
o aproxima bastante
de outro
“preguiçoso”
da literatura
brasileira,
Macunaíma, de quem
parece copiar
o “brilho
bonito
mas
inútil”.
Notas
(*)
Pascoal
Farinaccio é professor
de literatura
brasileira
da Universidade
Federal
Fluminense
– Uff.
(1)
Antonio Candido, “Prefácio”
a Sergio Miceli, Intelectuais
e Classe
Dirigente
no Brasil (1920-45), in
Intelectuais
à Brasileira.
São
Paulo, Companhia
das Letras,
2001, p. 75.
(2)
Observe-se que
se trata
de uma experimentação que
responde a uma intencionalidade autoral conscientemente
projetada: “O curioso
é que
o próprio
Francisco Dantas, autor
perfeccionista, tenaz
e consciente
de seu
próprio
trabalho,
em
entrevista
a um
jornal
sergipano,
afirma ser
o anacronismo,
ou
aparente
anacronismo,
de sua
prosa
derivado da intenção
de se colocar
à margem
do gosto
e da demanda
atual”.
Vilma Arêas, “O Escritor
Contra
a Língua”,
in Mais!,
Folha
de São
Paulo. São
Paulo, 25 de maio
de 1997, p. 12.
(3)
Cf. Francisco J. C. Dantas, Coivara
da Memória.
2a ed. rev.
São
Paulo, Estação
Liberdade,
1996 (a 1a edição
é de 1991); idem,
Os Desvalidos.
São
Paulo, Companhia
das Letras,
1993; idem,
Cartilha
do Silêncio.
São
Paulo, Companhia
das Letras,
1997.
(4)
Francisco J. C. Dantas, Cartilha
do Silêncio,
ed. cit., p. 14.
(5)
Idem,
respectivamente
pp. 80, 280, 254.
(6)
Idem,
p. 308. A infinitude do ato
rememorante, que
muitas vezes
desconhece as leis
de causa-e-efeito em
suas
caprichosas associações,
foi destacada
por
Benjamin em
ensaio
sobre
Proust: “Pois
um
acontecimento
vivido
é finito,
ou
pelo
menos
encerrado na esfera
do vivido,
ao passo
que
o acontecimento
lembrado é sem
limites,
porque
é apenas
uma chave
para
tudo
o que
veio
antes
e depois”.
Walter Benjamin, “A Imagem
de Proust”, in Magia
e Técnica,
Arte
e Política.
Trad. Sergio Paulo Rouanet. São
Paulo, Brasiliense,
1994, p. 37.
(7)
Francisco J. C. Dantas, Cartilha
do Silêncio,
ed. cit., p. 188.
(8)
Sobre
o “trabalho
de enquadramento” da memória
coletiva,
o qual
visa
a manter
a coesão
do grupo
social,
malgrado
não
chegue a eliminar
suas
contradições
internas irredutíveis,
cf. Michael Pollak, “Memória,
Esquecimento,
Silêncio”,
in Estudos
Históricos.
v. 2, no 3. Rio
de Janeiro,
1989, pp. 3-15. Do mesmo
autor
cf., também,
“Memória
e Identidade
Social”,
in Estudos
Históricos.
v. 5, no 10. Rio
de Janeiro,
1992, pp. 200-212.
(9)
Francisco J. C. Dantas, Cartilha
do Silêncio,
ed. cit., p. 98.
(10)
Idem,
p. 298.
(11)
Idem,
respectivamente
pp. 235, 263.
(12)
Idem,
p. 267. Cumpriria destacar
a complexidade psicológica
das personagens
de Francisco Dantas, o que
é uma das maiores
marcas
da qualidade
literária
por
ele
alcançada até
o momento.
Uma personagem
em
princípio
tão
simpática
como
dona
Senhora,
por
exemplo,
não
está imune
– muito
pelo
contrário!
– aos traços
mais
regressivos
do patriarcalismo
rural.
Falando de Mané
Piaba,
então
ainda
moleque,
dá a ver
sua
visão
dos serviçais:
“Principiam humildezinhos, prestativos...
depois
acostumam, tocam a tomar
confiança,
embocam casa
adentro
sem
pedir
licença,
não
conhecem mais
o seu
lugar
(...) E almoçam, viu? É uma começão” (idem,
p. 18).
(13)
Problemática,
aliás,
já
anteriormente
explorada pelo
autor,
e retomada
em
Cartilha
do Silêncio.
Lembremo-nos da personagem
Coriolano de Os Desvalidos,
emblemática
da dificuldade
de modernização a que
aludimos. Coriolano herda de um
tio-avô
uma botica
de remédios
caseiros,
que
vai de vento
em
popa
até
que
entra em
cena
os “remédios
de fábrica”,
logo
preferidos pela
clientela
em
detrimento
da produção
artesanal,
o que
leva
sua
botica
à falência.
Coriolano tenta
então
nova
empreitada:
o fabrico de bombom
de mel
de abelha.
De início,
a mercadoria
“não
chegava para
a encomenda”,
até
que
um
concorrente,
munido
de uma “engenhoca
de rapadura”
passa
a vender
um
produto
similar
por
uma bagatela,
dado
o baixo
custo
da fabricação
mecanizada. Diz o narrador: “A engenhoca
abocanhou o seu
fabrico de bombom,
e Coriolano foi bater
com
os burros
n’água”
(cf. Francisco J. C. Dantas, Os Desvalidos,
ed. cit., pp. 25-30). Para
homens
da estirpe
de Coriolano, incapazes
de se adequarem aos novos
modos
de produção,
a modernização imposta
à força
irrompe em
suas
vidas
como
um
furacão
que
não
deixa
atrás
de si
senão
uma terra
arrasada.
(14)
Francisco J. C. Dantas, Cartilha
do Silêncio,
ed. cit., p. 160. |