Introdução
Disparo
contra
o sol,
sou forte,
sou por
acaso,
minha
metralhadora
cheia
de mágoas,
eu
sou mais
um
cara.
Assim
Cazuza começa
uma das suas
canções
mais
emblemáticas – O Tempo
não
Pára, gravada em
1988 no auge
da sua
doença
e da sua
deterioração
pública
em
virtude
das complicações com
a Aids.
Instável
e desafiador, mas
também
extremamente
sedutor,
Cazuza soube unir,
durante
uma fase
da sua
produção
artística,
a rebeldia
e a meiguice,
o Rock e uma dócil
MPB; sua
“metralhadora”
destilou “mágoas”
e amores
sobre
uma geração
que
ainda
buscava sua
identidade.
Tais
aspectos
da sua
obra
o tornam um
artista
singular,
o maior
poeta
da sua
geração,
nas palavras
de Caetano Veloso.
Em
várias entrevistas e abordagens
públicas, o cantor nunca
escondeu a sua verve
melódica advinda da MPB: Dalva de Oliveira,
Cartola, Lupicínio Rodrigues, Maysa e outras
estrelas povoam a sua
criação musical. Tal
verdade foi uma das tantas razões
para sua separação
do seu grupo
musical de origem, o Barão
Vermelho. Estes
defendiam o rock autêntico, meio
“pauleira”, enquanto o cantor
já demonstrava uma nítida
vontade de seguir caminhos
próprios, “misturando tudo”
segundo ele
mesmo e, acima
de tudo, “bricolando” muita
coisa.
Analisar
criticamente este
processo
é o objetivo
principal
deste trabalho.
Mas
para
tal
intuito,
não
deixaremos de falar
suas
outras linguagens
estilísticas,
especialmente
aquela relacionada à performance,
à estetização do seu
corpo,
lócus privilegiado de exposição
pública
numa época
em
que
sua
doença
significava uma “sentença
de morte”
a curto
prazo,
bem
como
um
intenso
preconceito
por
ser
considerada o “câncer
gay”.
I - A Cena
Carioca
As
avaliações acerca
da década
de 80 já
fazem parte
de acalorados
debates
e tentativas
de se estabelecer
conceitos
interpretativos
sobre
esta época.
Cada
vez
mais,
esta geração
é colocada no divã
desesperado dos analistas
culturais; todos
têm demonstrado uma certa
unanimidade em
reconhecer
um
paradoxo:
por
mais
que
seja considerada uma geração
ideologicamente “vazia”
em
relação
aos politizados anos
60, foi responsável
por
uma produção
artístico-cultural criativa
e tensa
em
suas
experimentações culturais.
Testemunhas
pessoais
da Ditadura,
esses
jovens
personagens
iniciavam os anos
80 ávidos
por
encontrar
a sua
identidade
cultural, aquela que
tivesse a “cara”
do seu
momento,
que
expressasse o seu
estar
no mundo.
Em
termos
de rock, os anos
70 apresentaram um
caráter
particular:
houve uma considerável
produção
musical, todavia
o próprio
meio
cultural (especialmente
a mídia)
não
proporcionou a devida
repercussão, certamente
pelo
pouco
apelo
pop desta produção.
Esta década
testemunhou o surgimento
de bandas
como
O Terço,
A Bolha,
Terreno
Baldio,
Casa
das Máquinas,
Secos
e Molhados,
A Barca
do Sol
dentre
outras; isto
sem
falar
na fase
“progressiva”
dos Mutantes
e também
da criação
musical de Raul Seixas, um
dos principais
ícones
desta geração.
Vale
lembrar
que
os anos
70 também
foram marcados pela
realização
dos mais
diversos
festivais
de música,
fato
que
muito
contribuiu para
o “aquecimento”
cultural que
já
“preparava o terreno”
para
os anos
80.
Nesta
mesma
época,
a “febre”
das Discotecas
invadiu as pistas
de dança
embalada pelos
sucessos
de John Travolta no lendário
Embalos
de Sábado
à Noite
e aqui
no Brasil pelo
fenômeno
que
representou a novela
Dancing
Days. Os últimos
anos
desta década
presenciou uma interessante onda
de experimentalismos: no rock com
o grupo
Vímana(1); na poesia
com
os poetas
rebeldes,
especialmente
Chacal,
Chico Alvim, Ana
Cristina César e outros;
no teatro
com
o Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Tais
iniciativas
traziam novas
linguagens
que
chamavam a atenção
para
as novas
possibilidades de criação,
uma espécie
de pontapé
inicial
para
o rock brasileiro
que
se configuraria de forma
definitiva
alguns
anos
depois.
Falar
do Rock Brasil e da Geração
80 ou
Geração
Coca-Cola é uma tarefa
trabalhosa,
digna
de uma tese
ou
então
uma considerável
publicação sustentada por
inúmeras páginas.
Este
trabalho
não
possui tal
intuito,
levando em
consideração
a sua
natureza
e extensão.
Todavia,
não
é possível
falarmos de Cazuza sem
levantar
alguns
dados
importantes
da época
que
o revelou ao Brasil, especialmente
de alguns
aspectos
da cena
carioca.
Sem
dúvida,
o Rock Brasil foi um
fenômeno
visto
e sentido
em
diversas regiões
do país,
com
uma infinidade
de variantes
que
só
enriqueceram o estilo,
com
propostas
as mais
diversas, todas com
o objetivo
de criar
um
“jeito
novo”
de ser
jovem
e de aparecer
no cenário
de então;
o que
dizer
de todo
a atmosfera
musical do Planalto
Central?
Brasília foi “dominada” pelas mais
diferentes
tribos
de roqueiros,
punks
e metaleiros. São
Paulo se tornou a capital
nacional
do Punk
Rock e das mais
variadas formas
do Rock Underground;
até
a “bem-comportada” Minas
Gerais
deu a sua
contribuição:
em
1983 foi formada a banda
Sepultura,
nossa
maior
representante do Heavy Metal.
Contudo,
escolheremos o Rio de Janeiro
e suas dinâmicas
culturais nos primeiros
anos da década
de 80: praia, teatro,
gravações, rádios,
personagens de narrativas
que agora temos
noção do que
representaram. Cazuza é um autêntico
exemplo desta “obra”
cultural produzida pela Cidade
Maravilhosa.
1.1 - Uma Loucura
Teatral:
Asdrúbal Trouxe o Trombone
Idealizado
pelo
ator
e produtor
cultural Perfeito
Fortuna
e sempre
dirigido por
Hamilton Vaz Pereira,
o Asdrúbal inicia sua
história
em
1974 com
a montagem
da comédia
O Inspetor Geral,
de Gogol. Mas
foi em
maio
de 1977 com
a peça
Trate-me Leão,
montada no Teatro
Dulcina (RJ), que
o grupo
se estabeleceu como
sucesso
de público
e de criatividade.
Seu
irreverente
nome
foi inspirado numa brincadeira
que
anunciava a chegada
de uma pessoa
chata
e indesejada. Sua
característica
principal
foi fazer
um
teatro
desengajado politicamente, o que
o colocava na contramão
de certas
vanguardas
teatrais
marcadas pela
politização de algumas produções,
como
o Teatro
Oficina
e o TUCA, ambos
de São
Paulo.
As
produções
do grupo
sempre
foram marcadas pelo
humor,
espontaneidade
e improvisação,
o que
era
uma forma
libertária
de expressão
artística.
A esse
respeito,
Caio Fernando Abreu afirmou num artigo
do jornal
porto-alegrense
Folha
da Manhã,
de 27 de agosto
de 1977:
Muitas coisas
podem ser
ditas sobre
os Asdrúbals e seu
Trate-me Leão.
Por
exemplo,
que
é um
espetáculo
alienado
e alienante, que
nada
tem a ver
com
a realidade
brasileira.
A proposta
de Trate-me Leão
é a da luta
pela
alegria
e se isso
não
é uma proposta
política,
desculpem, não
sei exatamente
o que
seria política.
(BRYAN: 2004)
Ou
seja, a alegria
e o deboche
também
são
atitudes
políticas,
ainda
que
não
o seja considerado por
determinados
setores
da Indústria
Cultural. Nesta produção,
o personagem
vivido
por
Luis Fernando Guimarães tem uma fala
que
sintetiza não
apenas
a proposta
do Asdrúbal, como
também
revela um
pouco
do pensamento
reinante
entre
muitos
jovens
daquele momento:
Não
me
mande ir
à luta
que
eu
não
gosto.
Tá legal?
Vai à luta
você.
É
a reação
contrária
e explícita
àquelas máximas
que
exortavam a juventude
a “mudar
o seu
destino”,
a “transformar
a sua
realidade”,
tão
comuns
em
anos
anteriores
e que
agora
já
não
ressoavam com
o mesmo
ímpeto
de outrora.
Neste momento
as “revoluções”
são
outras, especialmente
aquelas de caráter
comportamental, onde
a liberdade
será buscada em
todas as possíveis
dimensões.
O
elenco
original
de Trate-me Leão
era
composto
por
Perfeito
Fortuna,
Hamilton Vaz Pereira,
Luis Fernando Guimarães, Regina Casé (que
ganhou o prêmio
Molière de melhor
atriz
com
apenas
vinte e dois
anos),
Evandro Mesquita
e Patrícia
Travassos. Na maioria
das vezes,
os cenários
das produções
eram exageradamente pobres
e montados com
tábuas
mal
alinhadas e todas pichadas, o que
levava os atores
à necessidade
de uma grande
expressão
corporal
no momento
da atuação.
O
sucesso
do Asdrúbal foi tão
grande
a partir
de Trate-me Leão
que
em
1979 montaram a peça
Aquela Coisa
Toda,
em
cujo
enredo
uma equipe
de comediantes
refletia a respeito
de si
e do próprio
trabalho
artístico,
num claro
processo
de metalinguagem
crítico-reflexiva em
relação
aos dois
anos
“iluminados” de Trate-me Leão.
É interessante salientar
o intercâmbio
do grupo
com
os chamados poetas
marginais,
especialmente
Chacal;
inclusive,
o personagem
de Hamilton Vaz Pereira
se chamava Pena,
uma caricatura
do poeta
que
ajudou na criação
do espetáculo.
Sobre
esta fase,
Chacal
lembra:
Chega
de temas
filosóficos e importantes.
A gente
queria falar
do dia-a-dia,
da polícia
no calcanhar,
do pastel
que
comia no botequim
da esquina.
E falávamos isso
como
se fosse um
discurso
político,
tal
era
a comoção
que
havia pela
repressão
e por
reunir
grupo
de pessoas
para
ouvir
poesia,
numa época
que
ainda
não
tínhamos, como
tivemos depois,
a base
do rock para
sustentar
nossas letras
e que,
portanto,
tínhamos que
sair
berrando-as no meio
da rua.
Sair
reclamando poesia.
(CHACAL:
1998)
Chacal
fazia parte
de um
grupo
de poesia
vanguardista
chamado Nuvem
Cigana,
formado por
Bernardo Vilhena, Ronaldo Santos,
Ronaldo Bastos,
Charles
Peixoto e Guilherme Mandaro. O Nuvem
Cigana
chegou a fazer
algumas mini-apresentações durante
os intervalos
de apresentação
do Asdrúbal, entre
um
ato
e outro.
No
início
dos anos
80, o Asdrúbal Trouxe o Trombone
“profissionalizou-se” de vez.
Após
uma longa
temporada
no Teatro
Ipanema, o grupo
decidiu montar
um
curso
de teatro
que
se realizaria no Parque
Lage. Tal
iniciativa
foi importante
pois
atraiu o patrocínio
de grandes
empresas
e a procura
foi tão
grande
que
foram obrigados
a limitar
as matrículas
dos interessados. Seus
sete
integrantes
se dividiram em
pequenos
grupos,
ficando cada
um
deles responsável
pelas aulas
e produções
das peças.
Com
isso,
cada
grupo
adquiriu a “cara”
do seu
coordenador, especialmente
quanto
aos enredos
estudados e encenados.
Desta
forma,
Luis Fernando Guimarães e Regina Casé ficaram responsáveis
pelo
grupo
Sem
Vergonha,
famoso
pelas conotações
sexuais
dos seus
espetáculos.
Hamilton Vaz Pereira
criou o Vivo
Muito
Vivo
e Bem
Disposto
(nome
retirado de um
verso
de Chacal),
formado por
Fausto
Fawcet, Fernanda Torres,
Ricardo Waddington e Lídia Brondi (uma das musas
da sua
geração).
Outro
grupo
(o que
durou mais
tempo)
foi o Banduendes Por
Acaso
Estrelados,
era
o maior
de todos
com
vinte e cinco
alunos
coordenados por
Evandro Mesquita
e Patrícia
Travassos. Nesta época,
Evandro Mesquita
já
cantava durante
as aulas
os seus
principais
sucessos
da Blitz
(especialmente
“Você
não
Soube me
Amar”)
que
viriam à luz
meses mais
tarde
com
a formação
deste grupo.
Entretanto,
o último
grupo
a ser
formado a partir
do Asdrúbal foi o Corpo
Cênico
Nossa
Senhora
dos Navegantes, comandado
por
Perfeito
Fortuna.
Era
o mais
debochado, provocador e musical de todos,
tinha
como
principais
representantes Leo Jaime, Ricardo Barreto (futuro
Blitz),
Carla Camuratti, Bebel Gilberto e Cazuza. Montaram no Circo
Voador
a peça
Pára-quedas
do Coração,
onde
Cazuza interpretou uma sátira
ao personagem
Capitão
Von Trapp de A Noviça
Rebelde.
O “capitão”
cantou e encenou a canção
Edelweiss para
a “noviça”
que,
após
a música,
revelava sua
verdadeira identidade:
era
um
travesti.
Nesta apresentação
(mesmo
sem
possuir
sequer
uma fala,
só
cantava), Cazuza já
demonstrava o cerne
do estilo
que
mais
tarde
o eternizaria: o deboche
provocador.
Com
esses
“frutíferos”
sub-grupos de criação
e atuação,
o Asdrúbal Trouxe o Trombone
conheceu o seu
fim.
Porém
um
fim
glorioso
pois
foi dividido em
núcleos
tão
produtivos
quanto
aquele
que
deu origem
a tudo.
O Asdrúbal entrou para
a História
do Teatro
Brasileiro
responsável
não
somente
por
uma intensa
renovação artística,
como
também
por
servir
de celeiro
de novas
vocações
e fornecer
à cena
cultural importantes
talentos,
alguns
brilhando até
hoje.
1.2 - O Circo
Voador
O
Circo
pousou nas areias
do Arpoador em
15 de janeiro
de 1982. Idealizado por
Perfeito
Fortuna
e a turma
do Asdrúbal, a idéia
era
criar
um
espaço
alternativo
para
aquela nova
linguagem
poético-musical-teatral que
estava sendo concebida, servindo como
endereço
para
todos
os cursos
de teatro
do Asdrúbal. Com
capacidade
para
oitocentas pessoas,
logo
se tornou um
ponto
de encontro
das mais
diferentes
tribos
que
habitavam o cenário
artístico
daquele momento.
Sua
inauguração
foi feita
com
um
grande
evento
– a Surpreedamental Parada
Voadora – uma espécie
de caminhada
circense
que
saiu da Praça
General
Osório e contava com
a presença
de vários
grupos
teatrais
e de dança:
o Abracadabra,
o Manhas
& Manias,
a Cia.
Aérea
de Dança
e o Coringa, liderado por
Débora Colker que
na época
estava montando o espetáculo
Disque M. para
dançar.
O
Circo
também
foi um
espaço
privilegiado para
os grupos
de poesia,
principalmente
o Nuvem
Cigana
com
Chacal
e Os Camaleões,
liderado por
Pedro Bial; foi nesta época
que
aconteceu o I Festival
Nacional
de Poesia,
quando
o Circo
foi representado por
esses
dois
grupos
e seus
integrantes.
Havia também
uma intensa
“atividade
jornalística”
com
o periódico
Expresso
Voador,
editado pela
Nuvem
sem
Grana
(Chacal,
Cafi e Maria Juçá) e patrocinado pelo
Banerj, Jornal
do Brasil e Rádio
Cidade.
O jornal
era
distribuído gratuitamente
em
bares,
restaurantes,
points nas praias,
cinemas
e na entrada
do Circo;
sempre
trazia como
título
um
verso
de Chacal:
Grave-se isso:
o circo
está aí.
Voando, voador
como
uma gaivota
no Arpoador.
Outra
importante
contribuição
do Circo
foi o de propagador
de novas
bandas;
uma marcou definitivamente
aquela época:
a Blitz.
Sua
formação
inicial
foi Evandro Mesquita,
Márcia Bulcão e Fernanda Abreu (vocais),
Ricardo Barreto (guitarra),
William Forghieri (teclados),
Antônio Pedro (baixo)
e Juba
(bateria).
Tudo
era
novo
no visual
da Blitz:
as roupas
com
cores
berrantes
e chamativas, as letras
falando dos “dramas”
vividos
pela
juventude,
os ritmos
das músicas,
a coreografia
um
tanto
escandalosa,
tudo
na contramão
da intelectualizada MPB de então.
Seu
primeiro
contato
foi com
a gravadora EMI, que
na época
assinou contrato
para
a gravação
de um
single – o formato
usado pela
indústria
fonográfica
para
testar
novos
talentos,
sempre
desconfiada
das diversas “novidades”
do mercado.
Foi gravado um
single de um
único
lado,
com
a canção
Você
Não
Soube Me
Amar.
O primeiro
show
profissional
da Blitz
ocorreu em
21 de fevereiro
de 1982 no bar
Caribe, em
São
Conrado; era
o primeiro
sinal
de que
estava nascendo algo
novo,
o que
hoje
chamamos de Rock Brasil. Entram em
cena
as gírias
cariocas
do momento,
especialmente
aquelas ambientadas nas praias
da Zona
Sul
como
“dar
uma geral”
e “ver
qual
é”, eram jovens
falando das suas
próprias experiências
com
uma linguagem
marcadamente coloquial
e explorando o seu
universo
de bares,
chopes,
batata
frita
e muitos
amores.
Por
motivos
financeiros, a “lona
voadora” foi despejada do Arpoador em
março
de 1982. Em
outubro
do mesmo
ano,
o Circo
Voador
instalou-se nos
Arcos
da Lapa,
antigo
e conhecido
reduto
da boêmia
carioca.
Foi lá
que
surgiu o projeto
Rock Voador,
dirigido por
Maria Juçá. A proposta
era
realizar
encontros
semanais
com
as bandas
que
estavam surgindo, lá
foram lançados os grandes
nomes
do rock brasileiro,
com
exceção
do RPM que
estouraria somente
em
1986. O Rock Voador
reunia até
quinhentas pessoas
em
jornadas
com
a apresentação
de seis
ou
sete
bandas
por
noite,
por
lá
passaram no início
de suas
carreiras
os seguintes
grupos:
Kid Abelha,
Paralamas do Sucesso,
Legião
Urbana,
Plebe
Rude,
Ira!,
Camisa
de Vênus,
Ultraje
a Rigor,
Capital
Inicial
e é claro,
a Blitz.
Uma
importante
parceria
foi feita
entre
o projeto
Rock Voador
e a Rádio
Fluminense
FM, de Niterói. A Maldita
(como
era
chamada),
entrou no ar
em
01 de março
de 1982 e foi um
dos mais
importantes
pilares
do rock nacional.
Comandada pelo
jornalista
Luis Antônio Mello e por
Samuel Wainer Filho
(o Samuca), a rádio
tinha
uma proposta
audaciosa
e revolucionária
para
a época:
tocar
somente
rock brasileiro
e os antigos
clássicos
do rock’n’roll. Uma outra
inovação
foi a equipe
feminina
formada por
Mônika Venerabille, Liliane Yusim, Selma Bairon, Edna Mayo, Selma Vieira,
Milena Ciribelli e Cristina Carvalho.
Dois
programas
fizeram história:
o Rock Alive, dirigido por
Maurício Valladares e o Espaço
Aberto,
que
ia ao ar
às oito
da noite
e só
tocava fitas
demos
de grupos
e cantores
novatos.
Maria Juçá fez uma espécie
de intercâmbio
entre
o Circo
Voador
e a Maldita,
que
se comprometia em
tocar
os que
se apresentavam no Circo.
Seria
necessário
um
único
trabalho
para
fazer
justiça
ao Circo
Voador
e todas as suas
contribuições
para
o rock nacional.
O Circo
ficou ainda
vários
anos
na Lapa
e foi fechado em
1996, sendo reaberto ano
passado.
Todavia,
a “certidão
de nascimento” do rock já
não
é mais
aquela das suas
origens,
especialmente
se levarmos em
consideração
a proliferação
de ritmos
e estilos
diferentes
e antagônicos
ao Rock Brasil, bem
como
mudanças no conceito
de juventude
e de suas
práticas
comportamentais.
Obviamente,
muitos
aspectos
relativos
a esta geração
não
foram falados,
pois
necessitaríamos de um
trabalho
específico
para
tratar
de tais
assuntos.
As tribos
de surfistas
comandadas por
Petit (um
dos mitos
desta geração),
os vários
filmes
emblemáticos
deste momento
como
Bete Balanço
(1984), Menino
do Rio
(1981), Rock
Estrela
(1985), Garota
Dourada
(1983), Rio
Babilônia (1982) e
outros.
Isto
sem
dizer
do maior
concerto
de rock até
então
– o Rock in Rio,
em
1985. Mas
falemos especificamente sobre
Cazuza e alguns
aspectos
pertinentes
à sua
obra.
II - Cazuza – Aspectos
Agenor
de Miranda Araújo Neto
– o Cazuza – nasceu em
1958. Filho
único
de João e Lucinha Araújo, desde
cedo
Cazuza conviveu com
todos
os cuidados
familiares
voltados para
si,
fato
este
que
influenciou sobremaneira
o seu
comportamento
e sua
maneira
de lidar
com
o mundo
e com
as pessoas
a sua
volta.
Aos treze anos
já
dirigia o carro
do pai,
foi expulso
de uma escola
católica
por
ter
sido flagrado fumando maconha
e mais
tarde
seria preso
oito
vezes
por
porte
de drogas.
Isto
sem
dizer
nos
inúmeros escândalos
que
protagonizou, seus
“ataques”
de garoto
mimado
que
despertavam a ira
de muita
gente
e sua
orientação
explicitamente bissexual,
namorando divertidamente homens
e mulheres
e já
antecedendo os debates
acerca
da diversidade
sexual
tão
comuns
nos
dias
de hoje.
Amado
por
muitos
e odiado por
outros
tantos,
Cazuza emerge como
um
dos principais
ícones
da sua
geração,
retrato
debochado sem
qualquer
tipo
de limite
e preocupação
moral,
vivendo eternamente
como
se cada
minuto
fosse o último
da sua
efêmera
vida;
como
ele
mesmo
gostava de dizer,
preferia viver
dez
anos
a 1000 por
hora
a mil
anos
a 10 por
hora.
Tal
fato
o inseria na tradição
de figuras
como
Oscar Wilde, Rimbauld, Lord Byron, Janis Joplin, Kurt Cobain e
tantos
outros
que
extraíram o máximo
da vida
e não
viveram muito
tempo.
Cazuza morreu em
1990 com
trinta e dois
anos.
O
início
de sua
carreira
musical coincide com
o surgimento
do grupo
Barão
Vermelho.
Cazuza foi apresentado ao Barão
por
meio
de Leo Jaime, quando
ainda
contracenavam no grupo
Nossa
Senhora
dos Navegantes, no
Circo
Voador(2).
Leo conhecia uns “garotos”
que
buscavam um
vocalista
para
a composição
final
da banda,
o objetivo
era
fazer
uma apresentação
na Feira
da Providência
de 1981. A apresentação
não
aconteceu por
motivos
técnicos
da organização
do evento,
mas
a banda
estava formada: Cazuza (vocal),
Maurício Barros
(teclado),
Guto (bateria),
Dé e Frejat nas guitarras.
Foi
a primeira
fase
artística
de Cazuza, sua
época
mais
louca,
marcada por
inúmeros problemas
de convivência
entre
os membros
do grupo,
que
levou à separação
definitiva
em
1985, após
a apresentação
triunfal
no Rock in Rio.
Segundo
relatos dos mais
próximos,
as principais
causas
da divisão
foi o temperamento
acentuadamente egocêntrico
de Cazuza, o que
provocava brigas
entre
ele
e os demais
nos
bastidores
e em
pleno
palco
na frente
do público;
todavia,
a razão
mais
sintomática para
a separação
foi de ordem
criativo-estilística, pois
o autor
de Burguesia
nunca
escondeu sua
predileção
pela
boa MPB, o que
o destoava por
completo
do Barão
Vermelho,
assumidamente roqueiro.
2.1 - “Bricolando” a MPB
Muitos
lançamentos
sobre
Cazuza repetem as antigas fórmulas
próprias de admiradores
para
falar
do poeta
– são
revistas,
sites,
páginas
do orkut, publicações de fã
clubes
etc. Aos poucos,
alguma crítica
mais
fundamentada teoricamente vai sendo construída, especialmente
algumas análises
realizadas na Universidade,
onde
alguns
trabalhos
acadêmicos
já
vão
analisando o compositor
e sua
obra
(aí
incluído o seu
“mundo”)
de forma
mais
sistemática.
Este
também
é um
dos objetivos
deste trabalho,
que
contará com
o apoio
de alguns
teóricos
e respectivas idéias
para
formular
determinados
conceitos.
Para
fundamentar
um
pouco
mais
a nossa
intenção
de analisar
o processo
de bricolagem artística
realizada por
Cazuza, explorarei este
mecanismo
de criação
na perspectiva
de algumas teorias
de Claude Lévi-Strauss.
Dentre
suas
tantas teorias
formuladas, criou dois
conceitos
que
analisaremos: o do bricoleur (praticante
da bricolagem) e do engenheiro.
O teórico
os formula e abre inúmeras possibilidades de aplicação
tanto
na Antropologia
como
nos
debates
acerca
da Arte
como
um
todo.
Segundo
Lévi-Strauss:
O bricoleur
é aquele
que
trabalha
com
suas
mãos,
utilizando meios
indiretos
se comparados com
os do artista.
[...] é o
que
executa um
trabalho
usando meios
e expedientes
que
denunciam a ausência
de um
plano
pré-concebido e se afastam dos processos
e normas
adotados pela
técnica.
Caracteriza-o especialmente
o fato
de operar
com
materiais
fragmentários
já
elaborados, ao contrário,
por
exemplo,
do engenheiro
que
para
dar
execução
ao seu
trabalho
necessita da matéria-prima.(LÉVI-STRAUSS:1989)
Originalmente,
a idéia
de bricolagem está associada
às práticas
de colagens
e manufaturas
de objetos,
principalmente
no artesanato.
Nesta nova
acepção,
bricolar diz respeito
as mais
variadas técnicas
e formas
de produção
(artística,
inclusive)
utilizando “permanências”
do passado,
ou
seja, aproveitam-se vestígios
estilísticos de outrora
associados
a novas
funções
e categorias
produtivas; neste afã,
o bricoleur utiliza materiais
já
existentes e não
se preocupa na obtenção
de matérias
primas.
No caso
específico
da produção
musical, o compositor
faz uso
de toda
uma “tradição”
que
o precedeu, entendendo tradição
como
a junção
de diversos
fatores
como:
estilística,
performances,
produção
cênica,
diversos
tipos
de expressões
do corpo,
ritmos,
temáticas
abordadas nas letras
etc.
Ora,
é sabido
e comentado por
vários
críticos
e por
aqueles
que
o conheceram de perto
a profunda
“inserção”
da obra
de Cazuza (especialmente
a da fase
madura)
nas mais
diferentes
fontes
da MPB. Em
várias das suas
entrevistas
o compositor
não
escondeu essa sua
“prestação
de contas”
com
a música
popular,
como
ele
próprio
declara:
É
bem
claro
o “caldeirão”
de influências
ao qual
Cazuza estava intimamente ligado, o “rebelde
sem
calça”
(como
ele
mesmo
se intitulava) tinha
um
fundo
estilístico que
o levava até
aos mestres
da MPB e do Pop brasileiro
em
geral,
diferente
de muitos
artistas
“genuinamente do rock” cuja
principal
característica
é justamente
a não
aceitação
da Tradição,
ou
seja, a rebeldia
no seu
conceito
mais
explícito.
Cazuza atualiza as propostas
de Antropofagia
Cultural “digerindo”
não
apenas
os aspectos
culturais externos
ao Brasil, mas
principalmente
o nosso
legado
musical relegado por
muitos
cantores
e compositores
da sua
geração.
Algumas palavras
são
sintomáticas: Quando
comecei a compor
acabei misturando tudo,
é exatamente
esta mistura
enquanto
mecanismo
de criação
que
enriquece a sua
obra,
que
lhe
configura como
um
autêntico
bricoleur. A este
respeito,
é interessante o que
João Araújo, pai
de Cazuza, informa a respeito
do filho:
Eu
me
surpreendi foi com
o estilo
romântico da sua
obra.
Mas
era,
na verdade,
um
lado
que
Cazuza sempre
teve: o da
identificação
com
a música
popular
brasileira.
Eu
e Lucinha respirávamos música
brasileira.
E Cazuza participou de alguma forma
disso, o que
o levou a buscar
como
referência
autores
que
não
tinha
conhecido
como
Cartola,
Nelson Cavaquinho,
Dolores Duran, Lupicínio Rodrigues... Mas,
de qualquer
forma,
levei um
susto
quando
ele
compôs canções
como
Codinome
Beija-Flor.
A
“arte
de misturar”
de Cazuza era
de grande
potencialidade
e o susto
não
foi só
do seu
pai,
foi sentido
por
muitas pessoas,
tanto
que
Codinome
Beija-Flor
virou tema
romântico do personagem
Beija-Flor
da novela
O Dono
do Mundo,
em
1989. É uma das tantas representantes da “fase
Bossa
Nova”
de Cazuza, Codinome
Beija-Flor
apresenta versos
de puro
lirismo:
Pra
que
mentir
Fingir
que
perdoou
Tentar
ficar
amigos
sem
rancor
A
emoção
acabou
Que
coincidência
é o
amor
A
nossa
música
nunca
mais
tocou
[...]
Eu
protegi
teu
nome
por
amor
Em
um
codinome,
Beija-flor
Não
responda
nunca,
meu
amor
(nunca)
Pra
qualquer
um
na
rua,
Beija-flor.
[...]
É
bem
clara
a proposta
de Cazuza: transgredir
o próprio
rock, sair
do lugar-comum
da rebeldia
e fazer
parte
de um
universo
lírico-amoroso cuja
música
nunca
mais
tocou,
ou
seja, os eternos
(des)encontros
do amor
“filtrados” por
uma atmosfera
e uma sensibilidade
consideravelmente gays.
Essa
sua
dimensão
de coleta
e reorganização
de dados
proporcionou uma grande
riqueza
a sua
produção
musical, levando alguns
dos seus
amigos
mais
íntimos
a defenderem a idéia
de que
Cazuza “caiu” no cenário
do rock, sua
“verdadeira” alma
estava mesmo
era
na MPB. Voltando às questões
teóricas sobre
o bricoleur, Lévi-Strauss afirma:
Mesmo
estimulado
por
seu
projeto,
seu
primeiro
passo
prático
é
retrospectivo,
ele
deve voltar-se para
um
conjunto
já
constituído,formado
por
utensílios
e
materiais,
fazer
ou
refazer
seu
inventário,
enfim
e
sobretudo,
entabular
uma
espécie
de
diálogo
com
ele,
para
listar,
antes
de escolher
entre
elas,
as
respostas
possíveis
que
o
conjunto
pode oferecer
ao
problema
colocado.
Ele
interroga
todos
esses
objetos
heteróclitos
que
constituem
seu
tesouro,
a
fim
de
compreender
o
que
cada
um
deles
poderia
significar,
contribuindo
assim
para
definir
um
conjunto
a ser
realizado
que
no
final
será
diferente
do
conjunto
instrumental
apenas
pela
disposição
interna
das
partes
(LÉVI-STRAUSS:1989).
Cazuza
faz esse
“diálogo”
com
toda
a sua
formação
cultural para
criar
algo
diferente
do velho
rock’n’roll, não
que
ele
ignorasse essa sua
dimensão,
mas
evoluí-la foi-lhe necessário,
principalmente
na sua
época
de criação
solo.
Instigante
é a letra
de Faz Parte
do Meu
Show:
Te
pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor
Te levo pra festa e testo o teu sexo com ar de professor
Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bom
Se eu te escondo a verdade, baby, é pra te proteger da solidão
Faz
parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Confundo
as tuas coxas com as de outras moças
Te mostro toda a dor
Te faço um filho
Te dou outra vida pra te mostrar quem sou
Vago na lua deserta das pedras do Arpoador
Digo alô ao inimigo
Encontro um abrigo no peito do meu traidor
Faz
parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Invento
desculpas, provoco uma briga, digo que não estou
Vivo num clip sem nexo
Um pierrot retrocesso
meio bossa nova e rock'n’roll
Faz
parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Meu amor, meu amor, meu amor...
O
próprio
eu-lírico já
delineia as linhas
mestras da composição:
uma demasiada
ênfase
na função
emotiva
(expressiva)
da linguagem,
com
uma intensa
carga
emotiva
que
centraliza as ações
numa perspectiva
totalmente
egocêntrica,
com
verbos
e pronomes
se direcionando todos
à primeira
pessoa
do singular.
Quanto
ao ritmo,
é o próprio
Cazuza quem
esclarece:
A
bossa
nova
"Faz parte
do meu
show"
canto
com
a voz
de criança
que
jamais
imaginei fazer,
uma coisa
bonita
que
passou por
muitos
ídolos
do meu
passado.
Passou pelo
João Gilberto, pelo
Chet Baker. Eu
gosto
de tudo,
do berro
da Janis Joplin e da Bessie Smith. Adoro a Dalva de Oliveira
e a Elvira Rios.
Acho isso
saudável
para
um
artista.
Em
matéria
de música,
não
sou nada
radical.
Não
sou nada
radical;
será que
já
poderíamos falar
de um
compositor
anti-rock? De fato,
a melodia
de Faz Parte
do Meu
Show
já
deixa
claro
que
se trata
de um
“entre-lugar” meio
bossa
nova
e rock’n’roll,
especialmente
se lembrarmos dos violinos
que
ajudam a compor
a música,
uma configuração
totalmente
híbrida
(pela
docilidade harmônica)
se levarmos em
consideração
outras músicas
do cantor
com
ritmos
os mais
“esporrentos”, para
utilizar
uma expressão
sua.
O
que
constantemente
se lê
é que
a experiência
com
a Aids
transformou de forma
contundente
o processo
criativo
de Cazuza. Nesta época
não
havia praticamente nenhum
tratamento
para
a doença,
quando
alguns
poucos
medicativos eram administrados e não
provocavam uma melhora
considerável,
como
era
o caso
do AZT. Realmente,
a Aids
habitava o imaginário
coletivo
(e de fato
o era)
como
uma espécie
de certidão
de óbito
adiantada, mudando radicalmente
a forma
com
a qual
o sujeito
via
e sentia a vida.
Durante
uma das suas
internações
em
Boston, Cazuza escreve Boas Novas
cujo
refrão
gritava:
Eu
vi a cara
da morte
e
ela
estava
viva,
viva.
É
uma “cara”
que
realmente
causa
pavor
para
alguém
com
tanta
sede
de viver.
Embora
estejamos há anos-luz das
posturas
crítico-literárias
que
condicionavam a
criação
artística
à
experiência
vivida
(a
Crítica
Biográfica). É sintomática a afirmação de Lévi-Strauss:
O
bricoleur
sempre
coloca nele [no
seu
trabalho
artístico]
alguma coisa
de si.(LÉVI-STRAUSS:1989)
É
esse
Cazuza
todo
meigo
que
vem à
luz
em
Faz Parte
do Meu
Show,
sua
composição
com
maior
aspecto
de
Bossa
Nova,
seja pelo
ritmo,
seja
pela
letra
ou
então
pela
conjugação
das duas
realidades
que
fazem do
todo
algo
de
grande
qualidade
e
sensibilidade
artísticas.
Outra
experiência
deveras
interessante nesse
intrincado
universo
de
criação
é a
canção
Minha
flor
Meu
Bebê.
Trata-se de uma das
composições
mais
“bem
comportadas” e meigas já
escritas
por
este
poeta
do rock, uma verdadeira “canção
de ninar”
que
adquire uma
nova
semântica
se cantada
ao “pé
do
ouvido”,
segundo
uma
sugestão
do próprio
autor:
Dizem
que tô louco
Por te querer assim
Por pedir tão pouco
E me dar por feliz
Em perder noites de sono
Só pra te ver dormir
E me fingir de burro
Pra você sobressair
Dizem
que tô louco
Que você manda em mim
Mas não me convencem, não
Que seja tão ruim
Que prazer mais egoísta
O de cuidar de um outro ser
Mesmo se dando mais
Do que se tem pra receber
E é por isso que eu te chamo
Minha flor, meu bebê
Dizem
que tô louco
E falam pro meu bem
Os meus amigos todos
Será que eles não entendem
Que quem ama nesta vida
Às vezes ama sem querer
Que a dor no fundo esconde
Uma pontinha de prazer
E é por isso que eu te chamo
Minha flor, meu bebê
Com
ritmo
suave
e
leve,
Minha
Flor
Meu
Bebê
consegue unir
meiguice
a uma sutil
dose
de
sensualidade
quase
imperceptível
– E me
dar
por
feliz
/ Em
perder
noites
de sono
/ Só
pra
te
ver
dormir
– seria um
voyeurismo
inocente
ou
a
realização
da
felicidade
nas
mínimas
atitudes?
Além
disso, há uma “pontinha” de
sadismo
nos
versos
Que
a dor
no fundo
esconde / Uma pontinha de
prazer,
amar
é
bom
e
também
pode machucar,
ainda
que
liricamente. Finalizando a
canção,
os
últimos
versos
funcionam
como
uma
espécie
de “conclusão”
(especialmente
pela
conjunção
por
isso)
para
todas essas
situações:
E é por
isso
que
eu
te
chamo minha
flor
meu
bebê.
São
alguns
exemplos
de
como
um
dos
maiores
letristas
da
Geração
80 variou
criativamente.
A bricolagem foi para
Cazuza uma das
suas
principais
ferramentas
inventivas
da
chamada
“fase
madura”
de produção
artístico-musical.
Sua
principal
fonte
foi
realmente
a MPB, seja pelas
influências
do
ambiente
familiar,
seja
simplesmente
porque
ele
era
o
que
hoje
chamaríamos de “antenado”,
isto
é,
alguém
“inquieto” para
o
seu
tempo
que
não
hesitou em
desmanchar
uma
parceria
já
promissora
com
o
Barão
Vermelho
para
seguir
rumos
próprios,
para
bricolar à
vontade
segundo
os
seus
próprios
(des)encantos
de
vida.
2.2 - A Canção
Crítica
de Cazuza
Há
muito
que
se discute sobre
a natureza
crítica
nas mais
diferentes
vozes
da música
brasileira.
Os críticos
concluem que
foi a partir
da Bossa
Nova
que
houve uma “reviravolta”
qualitativa
que
injetou nas composições
musicais o elemento
crítico,
especialmente
a metalinguagem
como
mecanismo
de criação.
A este
respeito,
Santuza Cambraia
Naves
esclarece:
É introduzido um
procedimento ímpar
na história
da música
popular
no Brasil, pois
letra
e música,
ao mesmo
tempo
em
que
se comentam mutuamente, fazem uma crítica
às convenções
musicais.(NAVES:2003)
A
atividade
crítica
depende do “todo”
que
envolve a composição:
temática
da letra,
ritmo,
arranjos,
criatividades
do intérprete(4)
e, no caso
de Cazuza, principalmente
a sua
linguagem
corpórea. No que
concerne à utilização
do seu
corpo
em
performances
sobre
os palcos
ou
nos
vídeos,
o autor
de Exagerado soube administrar
doses
certas
de ironia
e provocação
que
tinham uma razão
de serem praticados, ele
não
foi somente
um
compositor,
mas
principalmente
um
artista
performático das suas
próprias autorias.
Tal
fato
se verifica especialmente
no início
da sua
carreira,
quando
no auge
da chamada
“geração
saúde”
vemos o cantor
esbanjando sensualidade
e erotismo
durante
os seus
shows.
Tal
verdade
era
verificada inclusive
nas roupas
que
vestia: geralmente
calças
e bermudas
coladas ao corpo
bem
modulado que
tinha,
o que
lhe
propiciava gestos
obscenos
para
uma platéia
em
delírio,
isto
quando
não
se apresentava sem
blusa
o que
garantia
uma maior
exposição
do seu
físico.
Ele
próprio
fala
desta “magia”
erótica:
Enfrentar
o palco
para
mim
é tudo.
Aflora um
lado
sensual
meio
incontrolável.
Às vezes,
entro de pau
duro,
a coisa
pinta
até
antes
de subir
ao palco.
Outras vezes,
entro morrendo de medo,
mas
cantando solta
a tensão.
Sem
brincadeira,
é lance
sexual
mesmo.
Fora
do palco,
sou tímido,
um
menininho, me
sinto
profundamente
desajeitado.
Mas,
no palco,
sou um
Súper-Homem, de pôr
a capa
e sair
voando. Sinto o sexo
aflorando, olho
pras pessoas
e sinto que
tem uma coisa
também
que
volta
em
resposta.
Porque
estou mostrando uma coisa
bonita
que
eu
compus: não
sou humilde,
gosto
mesmo
do que
faço. É muito
o lance
do prazer,
eu
e a platéia
transando pra
caralho.
Seu
corpo
articula-se ao corpo
de uma linguagem
que
comunica pelos
gestos,
berros
e provocações.
Há uma osmose
sexual
que
envolve o cantor,
a sua
música,
o seu
corpo
e o receptor
desta “liturgia
erótica”
– o público.
Trata-se de um
ato
sexual
(re)semantizado entre
emissor,
mensagem
e receptores.
O corpo
da escrita
figura
a superfície
em
que
se constitui simultaneamente o sujeito
e o seu
corpo
erotizante e erotizado, tal
simbiose
nos
leva
a pensar
que
o espaço
do dizer
se articula ao texto
do corpo
para
comunicar
o erotismo
crítico
da escrita.
Mas
como
toda
essa problemática
se relaciona com
os debates
acerca
de uma canção
crítica?
Creio que
o ato
de rebelar-se é, em
si
mesmo,
uma atitude
profundamente
crítica.
Não
se trata
de se expor
fisicamente com
o único
objetivo
de mostrar-se a uma platéia;
mas
tomemos como
exemplo
a apresentação
de Cazuza (ainda
no Barão
Vermelho)
no Rock in Rio.
O ano
era
1985 e a abertura
política
estava engatinhando, naqueles mesmos
dias
de janeiro
Tancredo Neves
fora
eleito presidente
da República
através
do Colégio
Eleitoral,
era
o início
de uma nova
fase
político-cultural no Brasil. Cazuza recebeu uma bandeira
brasileira
que
lhe
fora
jogada
pelo
público
e é enrolado a ela
e quase
semi-nu (somente
com
o que
restou de uma calça
de lycra)
que
ele
se apresenta durante
uns dez
minutos
do show.
Era
o momento
de gritar,
espernear,
xingar
e provocar,
pois
na saída
não
estaria mais
a polícia
para
repreender
e levá-los à delegacia
mais
próxima
para
prestar
as devidas “explicações”;
por
isso
o refrão
Estamos meu
bem
por
um
triz
pro dia
nascer
feliz,
cantado em
meio
às provocações
sensuais
de Cazuza e à histérica
participação popular
que
lhe
auxiliava neste “lance
sexual”,
como
ele
mesmo
avaliou.
A
atitude
crítica
vai sendo construída ao longo
de sua
obra
das mais
variadas formas
e utilizando diferentes
matizes
ideológicos. Mais
uma vez,
Santuza Naves
informa:
A
atividade
crítica
cada
vez
mais
se preocupa com
a questão
do pertencimento do autor
a uma ou
outra
comunidade,
seja étnica,
seja orientada por
critérios
de opção
sexual,
seja de gênero,
entre
outras, em
detrimento
da avaliação da obra
de arte
pelos
critérios
modernistas de apuro
formal.
(NAVES:
2003)
Este
“pertencimento do autor
a uma ou
outra
comunidade”
já
é um
excelente
motivo
para
que
ele
“levante
a bandeira”
da mesma,
ou
seja, assuma o seu
lugar
e exija o seu
direito
ao discurso,
no sentido
de se pronunciar
e criar
uma prática
crítica
de debate.
Todavia,
a composição
crítica
de uma canção
necessita de outros
fatores
que
não
somente
o de pertencer
a um
determinado
grupo
e nele atuar
de forma
eloqüente.
Um
fator
assaz
importante
diz respeito
à formação
intelectual
do próprio
artista,
o que
lhe
ajuda
a “ter
o que
dizer”,
no sentido
de instaurar
um
diálogo
com
outros
conhecimentos
e proporcionar
criações
com
conteúdo
suficientemente
críticas.
No caso
de Cazuza, ele
mesmo
informa as suas
“investidas”
pela
Literatura:
Minhas
influências
literárias são
completamente
loucas. Nunca
tive método
de ler
isso
ou
aquilo.
Lia
tudo
de uma vez
misturando Kerouac com
Nelson Rodrigues, William Blake com
Augusto
dos Anjos,
Ginsberg com
Cassandra Rios,
Rimbaud com
Fernando Pessoa.
Adorava seguir
Carlos Drummond de Andrade em
seus
passeios
por
Copacabana. Me
sentia importante
acompanhando os passos
daquele Poeta
Maior
pelas ruas
à tarde.
Mas
meu
livro
de cabeceira
foi sempre
"A
descoberta
do mundo",
de Clarice Lispector. Adoro acordar
e abri-lo em
qualquer
página.
Quando
a Brasiliense
começou a lançar
as obras
de Kerouac, Ginsberg, Borroughs, eu
quase
fiquei pirado,
porque
eu
fazia algo
ligado a eles
e não
sabia. Penso
que
os anos
50 têm muito
a ver
com
os anos
80. Era
uma época
de repressão
que
se soltou lá
pela
década
de 60 como
agora.
Como
podemos perceber,
além
das influências
“clássicas” da MPB, Cazuza também
bebeu em
fontes
literárias de excepcional
valor
artístico,
isto
sem
dizer
que
é assaz
intrigante
a antologia
escolhida: Clarice Lispector, Augusto
dos Anjos,
Fernando Pessoa,
Rimbauld e Blake. Só
essa listagem
já
daria motivos
suficientes
para
um
outro
trabalho
versando sobre
as específicas influências
de cada
um
destes. E por
falar
em
Augusto
dos Anjos
(não
que
ele
seja de todo
considerado romântico pela
crítica
especializada), uma vertente
sempre
atual
da dimensão
crítica
da sua
obra
diz respeito
a uma certa
vivência
do spleen romântico, especialmente
aquele
identificado com
as mais
variadas formas
de se sentir
envolvido por
um
novo
Mal-do-Século, não
mais
aquele
sofrimento idealizado típico
do século
XIX, mas
uma dor
“mais
real”,
com
motivos
retirados do próprio
dia-a-dia.
Uma das composições
de Cazuza – Blues
da Piedade
– segue esta tendência:
Agora
eu vou cantar pros miseráveis
Que vagam pelo mundo derrotados
Pra essas sementes mal plantadas
Que já nascem com cara de abortadas
Pras pessoas de alma bem pequena
Remoendo pequenos problemas
Querendo sempre aquilo que não têm
Pra quem vê a luz
Mas não ilumina suas minicertezas
Vive contando dinheiro
E não muda quando é lua cheia
Pra quem não sabe amar
Fica esperando
Alguém que caiba no seu sonho
Como varizes que vão aumentando
Como insetos em volta da lâmpada
Vamos
pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem
Quero
cantar só para as pessoas fracas
Que tão no mundo e perderam a viagem
Quero cantar o blues
Com o pastor e o bumbo na praça
Vamos pedir piedade
Pois há um incêndio sob a chuva rala
Somos iguais em desgraça
Vamos cantar o blues da piedade
Vamos
pedir piedade
Senhor, piedade
Pra essa gente careta e covarde
Vamos pedir piedade
Senhor, piedade
Lhes dê grandeza e um pouco de coragem
O
spleen de Cazuza tem uma conotação
um
tanto
sórdida
do ponto
de vista
social.
Há uma espécie
de solidariedade
entre
o eu-lírico e os miseráveis
derrotados, metaforizados como
“sementes
abortadas”, isto
é, a melancolia
romântica adquire novos
receptores
que
ajudam a (re)semantizar o conceito
de “poeta
maldito”.
Agora
ele
é maldito,
inclusive,
porque
fala
e traz à lume
as mazelas
da própria
(sub)vida.
O andamento
rítmico da música
já
traz algo
“diferente”
no seu
bojo,
pois
trata-se de uma melodia
bem
próxima
do blues
que
ajuda
na configuração
destes “miseráveis
e derrotados” que
aumentam (inclusive
numericamente) como
“varizes”
e ficam à espera
de um
alento
qualquer
para
o sofrimento, como
insetos
em
volta
da lâmpada
tentando absorver
algum
tipo
de “calor”
e claridade.
Trata-se de uma abordagem
altamente
crítica
que
não
envelhece pois
há sempre
“insetos”
em
volta
das mais
diferentes
“lâmpadas”
da nossa
sociedade.
Falar
da dimensão
crítica
na obra
de Cazuza é tarefa
para
ser
realizada com
mais
calma
e espaço
de trabalho,
tamanha
a importância
dessa dimensão
na sua
produção
artístico-musical. O que
dizer
da sua
canção-manifesto Brasil, cujo
refrão
mostra
a tua cara
ecoa em
qualquer
época
sem
parecer
antiquado
e obsoleto?
É um
potente
diferenciador na sua
trajetória
que
contribui para
que
questionemos se de fato
sua
geração
foi vazia
como
sempre
se afirma; ou
será esse
“preenchimento ideológico” algo
pertinente
somente
a ele?
Acredito que
não,
pois
basta
uma leitura
mais
crítica
de diversas composições
e outros
“textos”
da época
para
percebermos o tom
próprio
de algumas criações
do rock brasileiro
– crítico
e até
desafiador em
alguns
casos.
2.3 - Bricoleur ou
Engenheiro?(5)
Finalizando
este
trabalho,
quero levantar
não
uma conclusão,
mas
um
problema:
Cazuza exerceu sua
atividade
artística
como
bricoleur ou
como
engenheiro?
Ele
criou algo
realmente
novo
(o engenheiro)
ou
simplesmente
utilizou o que
já
havia, dando uma nova
roupagem
(o bricoleur)? São
questões
intrigantes
que
merecem nossa
apreciação crítica.
Primeiramente,
retorno
a Lévi-Strauss para
entendermos o que
seria o engenheiro
e suas
atribuições:
Sem
dúvida,
o engenheiro
também
interroga, desde
que,
para
ele,
a existência
de um
“interlocutor”
é resultado
de que
seus
meios,
seu
poder
e seus
conhecimentos
não
são
nunca
ilimitados e que,
sob
essa forma
negativa,
esbarra numa resistência
com
a qual
lhe
é
indispensável
transgredir.
Poderíamos ser
tentados a dizer
que
ele
interroga o universo,
ao passo
que
o
bricoleur
se volta
para
uma coleção
de resíduos
de obras
humanas, ou
seja, da cultura.
O
artista
engenheiro
é aquele
cuja
criação
se dá a partir
do novo,
de uma espécie
de “ponto
zero”,
ou
seja, sem
referências
anteriores.
Ele
não
parte
de paradigmas
pré-estabelecidos, cria
sem
preocupar-se em
estabelecer
conexões
temáticas
a uma determinada
fonte
(ou
a fontes).
Todavia,
falar
deste “nível
zero”
de produção
artística
no atual
passo
das discussões
culturais é, no mínimo,
problemático;
buscar
uma certa
“pureza”
de criação
é também
um
objetivo
inocente
que
pode levar
a certas
incoerências
e equívocos
(e até
preconceitos).
Há muito
que
se defende a tese
de que
vivemos na época
dos hibridismos discursivos, principalmente
se levarmos em
consideração
a nossa
tradição
de país
colonizado e dependente
culturalmente de outras tradições;
daí a dificuldade
para
um
artista
“genuinamente” engenheiro
e dotado de independências
e autonomias
criativas.
O
próprio
Lévi-Strauss neste mesmo
ensaio
já
delineia um
pouco
tal
dificuldade,
inserindo o artista
numa espécie
de “entre-lugar”, entre
a criação
independente
e a bricolagem:
O artista
tem, ao mesmo
tempo,
algo
do cientista
e do bricoleur:
com
meios
artesanais,
ele
elabora um
objeto
material
que
é também
um
objeto
de conhecimento.
Nós
diferenciamos o cientista
e o bricoleur pelas
funções
inversas que,
na ordem
instrumental e final,
eles
atribuem ao fato
e à estrutura,
um
criando fatos
(mudar
o mundo)
através
de estruturas,
o outro
criando estruturas
através
de fatos
(fórmula
inexata
pois
peremptória,
mas
que
nossa
análise
pode permitir
matizar).
Por
isso
o fato
de não
podermos absolutizar
esses
dois
conceitos
colocando-os sempre
como
antagônicos,
há de se buscar
uma certa
relativização, um
meio-termo
onde
possamos assentar
nossas discussões.
Quanto
a Cazuza, prevalece nele a sua
dimensão
de bricoleur. Como
foi defendido até
agora,
o cantor
bricolou sobremaneira
outros
estilos
e não
produziu somente
letras
e músicas
tipicamente roqueiras. De fato,
o grito
rebelde
do rock se fez presente
na primeira
fase
da sua
carreira,
mas
quando
decide pela
carreira
solo
acontece inúmeras mudanças no seu
estilo
que
transformam qualitativamente
o seu
repertório.
Mas
ele
também
possui o seu
“lado
engenheiro”;
este
se realiza em
algumas inovações
realmente
suas.
A principal
foi reconfigurar o conceito
de Mal-do-Século, tão
típico
do Romantismo,
onde
a Aids
toma
o lugar
da tuberculose
no sentido
de levar
o compositor
a pensar
criticamente a respeito
da relação
vida-morte-obra, onde
a dor
sentida
não
é mais
por
um
ideal
não
conquistado, mas
chora-se pela
realidade.
Cazuza também
inova quando
faz uma miscelânea
rítmica ao utilizar
diferentes
melodias
nas suas
gravações,
onde
saxofone,
violino,
bateria
e guitarra
elétrica
formam uma excelente
parceria.
Outro
aspecto
(um
tanto
macabro)
de sua
inovação
foi a exposição
sem
limite
do seu
corpo
já
combalido pelas complicações da Aids.
O cantor
emagreceu quase
trinta quilos
em
relação
ao início
da sua
carreira
e, diferentemente
de outros
infectados pela
doença,
decidiu expor-se e assumir
publicamente que
era
soropositivo,
não
escondendo sua
magreza
e sua
aparência
cadavérica
que
contrastavam demasiadamente
com
sua
imagem
de garoto
saudável
e rebelde.
Nesta perspectiva,
o “lado
engenheiro”
foi também
percebido na utilização
de imagens
deste corpo
corroído nos
clipes,
shows
e entrevistas
que
realizou, espetacularizando-o para
quem
quisesse ver.
No vídeo
de O Tempo
Não
Pára a relação
do seu
corpo
com
a letra
e as imagens
utilizadas tem um
certo
“ar
profético”
como
a de querer
dizer:
justamente
pelo
fato
de o tempo
não
parar
é que
sua
inexorável
ação
recaiu sobre
este
corpo,
transformando-o neste amontoado de secura
e imagem,
neste “texto”
cujas linhas
são
escritas
pela
tinta
do definhamento físico.
Cada
vez
mais
fica explícita
a idéia
de que
essas fronteiras
entre
o bricoleur e o engenheiro
são
cada
vez
mais
relativas e “contaminadas”, uma “borrando” a outra
de forma
sintomática, fazendo emergir
a necessidade
de não
aplicarmos análises
de natureza
unilateralista.
III – Conclusão
Ainda
há muito
o que
se analisar
sobre
Cazuza, sua
obra
e o seu
tempo;
cada
vez
mais
tal
necessidade
fica explicitada mediante
a sua
importância
no cenário
cultural brasileiro
da década
de 80, servindo como
uma espécie
de ícone
desta geração
– um
misto
de anjo
caído
e eterno,
maldito
e amado,
dócil
e desesperado.
Ele
surge e ultrapassa os anos
80, testemunha
a rebeldia
do momento
e se transfigura para
outras experimentações musicais como
a Bossa
Nova
e o Blues,
produzindo híbridamente.
Um
artista
completo?
Não,
somente
repleto
de inúmeras faces,
cada
qual
com
sua
particularidade
de significado.
Podemos dizer
que
temos vários
Cazuzas: boêmio,
político,
rebelde,
revoltado com
a vida,
amante,
maldito
e amigo
de muitos.
Soube
utilizar
sua
formação
cultural para
desenvolver
novos
ritmos
e “contaminar”
as heranças
estilísticas
do Rock’n’Roll, seguindo de forma
pessoal
a cartilha
da
Antropofagia
Cultural
proposta
por
Oswald de Andrade como
atitude
revolucionária
da arte
brasileira.
Cazuza “digeriu” bem
de Cartola
a Janis Joplin, de Dalva de Oliveira
aos Rolling Stones, produzindo composições
híbridas entre
o rock e a MPB.
Termino
com
um
pedido
do próprio
Cazuza, numa entrevista
à revista
Playboy
em
1988:
Espero
que,
no futuro,
não
se esqueçam do poeta
que
sou. Que
as pessoas
não
se esqueçam de que,
mesmo
num mundo
eletrônico,
o amor
existe. Existe o romance
e a poesia.
Que
mais
crianças
venham a nascer
e que
o amor
dos pais
é
fundamental.
De
fato,
você
não
foi esquecido!
IV - Notas
(5)
Como
já
foi dito,
são
categorias
analíticas criadas pelo
antropólogo
Claude Lévi-Strauss que
neste trabalho
utilizo para
criticar
determinadas dimensões
da obra
de Cazuza.
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